terça-feira, 27 de dezembro de 2011

As três pedras

Haviam brotado da mesma queda d’água as três pedras. Em tempos diferentes, situações particulares, mas o fato é que do mesmo curso vieram. Enquanto não foram ameaçadas por nenhuma torrente originada de temporais, os três minerais permaneciam algo próximos. Mantinham determinadas distâncias muito em função de suas experiências individuais, mas conseguiam acompanhar os seus cotidianos. Estavam perto, sempre perto, guardando e respeitando os limites umas das outras.
Mas nada como o tempo e o seu transcurso para que, após grande ameaça de temporal, viessem a ser tomadas de assalto por uma corrente muito caudalosa do rio da vida. A força das águas foi tanta que lançou cada pedra para um lado. Afastando o campo de visão, nenhuma das três mais conseguia ver as duas outras restantes. Acharam que estava traçado o destino e começavam a se contentar com o novo rumo que tudo havia tomado.
Porém, cumpre a sabedoria do inusitado a tarefa de surpreender, numa repentina manhã, quando nada mais se esperava de diferentes, já no fluxo normal do rio, eis que se reconhecem as três pedras.
Passada a emoção primeiro do encontro, os três irmãos renovaram a sua origem, compromissaram-se na verdade e decidiram viver a compreensão total do que significa para sempre. Sabendo que nem todas as vezes será tão próximo em contato físico, mas há de ser eternizado o acordo fraterno da felicidade.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Destino

É impressionante a forma como a vida nos impõe tomadas de rumos que são independentes de nossa bagagem emocional, espiritual ou mesmo das experiências da vida fenomênica. A angústia e o receio têm que obrigatoriamente dar espaço para a ação. Coração de lado, lágrima retida, solidão da decisão. Eis o jogo da lila cósmica a nos impulsionar.
Nos meandros do desconhecido haverá, por certo, explicações que nos são vedadas por proteção. Para que não nos assustemos com o que fizemos, dissemos ou pensamos e terminados por impregnar a existência mais ampla que uma vida só. E para que não acusem nossas linhas de enigmáticas, o que se traduz hoje são as impressões do karma que quando desabam sobre nossas cabeças entram como estrondo ensurdecedor.
Conclusão: tampão nos ouvidos e resoluções. Lá vamos nós!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O óbvio e o inédito


1, 2, 3, 4, 6, 7... Pois bem, pois bem. A esta altura você está pensando: “Por que pulou o 5?” Ou então: “Xi, ele esqueceu do 5!” Mas que nada! Calma...calma... Esteja preparado também (e sempre) para ser surpreendido. Crie expectativas, é certo, mas não viva exclusivamente delas, uma vez que só o previsível não sustenta o mundo.
“Era de se esperar.” “Demonstrava uma sequência lógica.” e tantas outras elucubrações podem ser feitas. Ninguém as está proibindo. Porém, flexibilize. Prepare-se para poder não contar com o esperado, afinal de contas, a humanidade evoluiu a partir, muitas vezes, do que os demais não conseguiam crer e nem contar.
E quem foi que disse que projetos não são válidos? Olha aí novamente você tomando as primeiras letras para concluir o restante. Sonhe, idealize, projete, busque no presente os elementos que podem servir de esteio para o futuro... Entretanto, por favor, não cristalize e não engesse a magia das múltiplas possibilidades.
Alguns se frustam pelo que “consumiram de tempo” e pelo que não conseguiram observar do resultado tim tim por tim tim como haviam arquitetado. Estes se esquecem de que a vida é feita de um tempo real (gasto no momento) e impalpável (vivido pela lembrança e pela esperança). A ciência (ou arte, não sei bem) é lidar com os dois aspectos temporais (do dizível e do imprevisível). Por estas razões, não se furte da aventura de transitar entre a obviedade o ineditismo. Arrisque viver!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Irmãs gêmeas

Sentou-se ao meu lado, com a educada frase “com licença”.Vestia-se bem, portava-se melhor ainda. Gestos tranquilos, voz calma. Boa aparência no geral. Iniciou a conversa, mesmo sem saber se eu queria, com os desgastados comentários sobre a beleza do tempo e da temperatura ambiente. Para não ser descortês, aquiesci e concordei vagamente com sorriso “mais ou menos”. Diante da minha resposta, prosseguiu na tentativa do diálogo. Não estava ali com tempo marcado e nem estava com projeto algum. Razão pela qual, dirigi um pouco mais meu corpo na sua direção, relaxei e ampliei as respostas. Das genéricas atmosféricas, não sei como e nem porquê, chegamos a outras assertivas e interrogantes. Não havia nada de maldade (isso era perceptível). Desta forma, em determinado momento, notei que as perguntas extrapolavam a curiosidade e eram quase que formulações de ideias que precisavam de minha confirmação. Como poderia aquela mulher saber tantas coisas sobre mim? Coincidência nas perguntas amplas demais que se pergunta a qualquer um? Notava que não! Cada vez mais as perguntas se tornavam mais específicas. Ela, serena e bem colocada, movia-se e eu, sem entender, envolvia-me!
Não aguentando mais aquele mistério, era minha vez de interpelar:“A senhora me conhece? Como é possível ter essas informações sobre a minha pessoa sem me conhecer?”
“Acalme-se! Não é para espanto e nem desespero. Posso lhe explicar.” Assim, iniciou o breve e o mais profundo discurso que já tinha ouvido!
Eu e minha irmã sempre lhe acompanhamos muito de perto. Desde sempre e para sempre nossa missão é estar ao seu lado. Não há como ser diferente. Por isto sabemos absolutamente de tudo que você fez de forma consciente e até mesmo quando você agia sem ter claro para você mesmo os seus atos. A diferença entre mim e minha irmã é uma única. Dela você sempre se lembra e se aferra cada vez mais. De mim, você, como a grande maioria, acaba esquecendo, rejeitando, não querendo conhecer e muito menos cogita ouvir-me. Já me acostumei, não sofro por isso, mas confesso a você que seria menos doloroso para todos se me vissem como gêmea mesmo de minha irmã. Não para assustar ninguém. Seria tão mais brando, geraria menos traumas, facilitaria a compreensão e a vivência se todos aceitassem de vez que vida e morte “nascem” no mesmo instante em que o homem chega ao mundo.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Abre-se a cortina


Não dá para dizer que haja uma preocupação com a quantidade de assistentes na plateia que possa medir a ansiedade da atuação. Este não é o fator que gera o sentimento da apreensão. Da mesma forma, não é a condição da estreia que faz com que o coração bata aceleradamente. Em poucas palavras, tanto faz “casa cheia” ou bilheteria zerada, primeira apresentação ou a derradeira, a questão é você no centro do palco.
Quando a ribalta acende, todos as variantes desaparecem, mesmo porque as luzes dos refletores em cima do ator, além de transformá-lo em personagem, impedem-no de enxergar o que está fora do palco. Nem distingue o entorno e muito menos é ele sozinho (perde-se a condição única de carne e osso e passa a ser carne, osso e “persona”). Todas as possibilidades se renovam a cada apresentação. Tudo pode acontecer diferente do que houve na véspera. E com quem conta o artista, ali, na “hora H”? Com ninguém a não ser ele mesmo e as circunstâncias que o instante produz.
Tais são as razões que me fazem explicitar a tensão que brota do enredo da vida. E por mais que a expectativa seja a de que, no final da encenação, haja aplausos, o suor frio escorre escondido pela maquiagem e a espinha gela a alma.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pedido


Ingressos comprados, casa cheia. Apreensão natural dos instantes iniciais. Os três toques anunciam que é chegada a hora. Aberta a cortina, não havia retrocessos. Ausência de som em toda a plateia. No centro do palco, um foco que se ampliava e o feixe de luz ia consumindo o breu lentamente até que se surge por completo a personagem.
Tinha início a peça.
O vazio do entorno dava ares ainda mais abissais ao espaço, ocupado somente por uma única peça – eu! A árdua tarefa era clara: deveria sozinho ser capaz de preencher toda a área.
A voz tronante (em off) faz a leitura dos autos da peça e assim o enredo se esclarece. Tratava-se da minha vida. O movimento do corpo, como quem busca encontrar cada peça do grande quebra-cabeças, tateava cada centímetro do chão ainda escuro. Levava no corpo uma peça leve de algodão pouco talhada, mas não mortalha que ganhava peso na medida em que me deslocava. A primeira fala abria o tempo da discussão: “Que ninguém me peça explicação! Nem eu a possuo, pois então!”

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Vivendo

O que busco de mim não são as respostas acabadas de quem sou. Porque caso assim quisesse encontrar, provavelmente, meus pés não me estariam pisando o caminho certo. Daria crédito a que sou um ente delimitado e pétreo. Não me concederia a chance da constante reformulação do que penso, sinto ou faço. Estaria fadado ao engessamento de tudo que trilhei e não abriria os olhos ao despertar a cada dia com o compromisso de reinventar-me. Não! Não esperem de mim o vasculhamento de minhas histórias com o simples propósito de sabê-las. Já as conheço e reconheço – e sei que nem de tudo me apercebi. O que me intensifica é a tarefa de por por terra as questões já formuladas. O que me sustenta é a crença que o imutável só pode existir no indizível, pois no plano das ações tudo – absolutamente tudo – pode ser outro, pode se transformar, crescer, evoluir e até mesmo ruir. Das coisas do mundo o que não se mantêm é para ser experienciado. E como não há entre o céu da existência e a terra das vivências nada que se eternize, o que me cabe é viver!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tragados


Os afobados do tempo começam a se movimentar quando se dão conta que termina mais uma fase. Eis que se aproxima a angústia dos anúncios de TV para nos lembrar que o fim do ano está chegando. Mas fim de que? E aqueles que se debatem entre as promessas não cumpridas e o desespero de terem que renovar os votos para o que acham ser um tal futuro tão próximo? Pobre deles. Mal conseguem passar pelos portais que eles mesmos geraram. Apressados, querem logo levantar os pés do lado vivido e plantá-los (bem plantados os dois) no vindouro momento. Uma espécie de remissão do pecado de não ter realizado aquilo que se propuseram a fazer. Mas quem deles cobra? Quem os sacrifica ou os sentencia mais do que suas próprias consciências? Ó doloridos homens acorrentados!
O movimento intermitente de lâmpadas hipnoticamente colocadas para distrair e a claridade dos neons os embota de tal forma que chegam a pensar que estão resgatando a última chande de viver.
O único clima de abafamento não é atmosférico. Reside, sim, na ansiedade posta no ar pelo corre-corre das compras, das dívidas, das dietas desregradas e do frisson que consumimos sem pestanejar.
Por onde andará nossa capacidade de respirar com a normalidade das horas? Em que local encontraremos a caminhada dos ponteiros segundo os critérios rítmicos estabelecidos pelo pêndulo temporal? Pergunto-me: tudo isto para que chegada? Angústia de quem busca, medo de quem encontra. Não posso deter a marcha, mas posso observar ao meu redor e ratificar a minha tese de que o que nos engolfa não é o tempo. Somos tragados, como carne mal mastigada, pela garganta da nossa cegueira diante do inevitável curso das areias que se esvaem inexoravelmente.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ampulheta




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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Querer e poder


A dicotomia faz parte do alicerce da vida. Ai do homem que se deixa engolfar pela pressão exercida por essa divisão constante. Hora quando se quer, não se pode, hora quando se pode, não se quer. Fazer o quê, então? Drama? Dilacerar-se? Magoar-se ou magoar? Perda de tempo. Devemos coadunar os momentos em que a tranquilidade nos acena com os instantes em que os desejos e os planejamentos se tornam inexequíveis.
Quem, dentre nós, nunca passou pela situação de desencontro entre o que pensava ser o ideal e aquilo que encontrou na incompreensão generalizada dos homens e dos acontecimentos? Pois é isto, sem tirar nem por! Somos o somatório das alegrias (quando tudo concorre para nos atender) e das tristezas (quando chafurdam as nossas expectativas).
Porém, eu lhes pergunto: Quem morrerá por não ver satisfeitos os seus caprichos? Morre sim, mas morrem as ilusões. Estas... ora, ora..estas são assim mesmo...nascem e fenecem. Foram feitas para isto!
No crepúsculo delas, abrem-se os sulcos na terra da esperança para que mais tarde possam brotar novas construções de vida.
De par em par, abro as portas da minha existência e reconheço, firmemente, que não terei tudo do jeito que penso, até mesmo porque, meus pensamentos também passam e no escorrer da areia do meu tempo se transformam e me fazem crescer.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Anjo e demônio

Tempo, monstro e mago dos meus dias, tu me devoras ao mesmo instante em que me transformas. Quimera e herói a atuar em meu sono, é o teu susto que me dá a chance de progredir. Senhor dos dias, opressor dos homens, negociador da humanidade, cura dos males, tantos os teus nomes, irrogavelmente verdadeiros que chego a sentir a inexorável vontade de me lançar a ti.

Num lapso de entendimento de minha pequenez seria esta a minha resolução. Contudo, alegro-me em reconhecer que passados os poucos segundos do pensamento daquela entrega a qual me deixaria levar, sou surpreendido pelo voraz desejo de deixar que tu mesmo te consumas em tuas areias. Busco, ao emergir da tua ampulheta, a liberdade do meu respirar e se queres, realmente, continuar a ser quem és, vem e vença-me. Pois se deixares para que eu assim o decida, perder-te-á em ti mesmo e triunfarei como Teseu que, sem olhar para o obstáculo, usou do ardil do fio para retornar daquilo que o aprisionaria.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Pelos meus olhos


Desde muito cedo aprendi que cada dia é uma explosão de luz e, neste parto diário, encontro o conforto para seguir crendo em meu papel de colaborador desta emissão luminosa que clareia a vida. Sucedem-se os instantes e, na medida do possível, vou eternizando-os na alma, sem arrependimentos pelas ações, mas com a certeza plena de que as falhas (que são humanas, como diz um “velho” amigo - “sou lúcido!”) servem-me para que eu cresça.
Sem saudosismo ou sentimentalismo, consigo olhar ao redor e perceber o caminho riscado pelo lume do qual eu também sou partícipe. Espero, com isto, jamais fugir do brilho do olhar que nutre as convivências.
Eis a razão de minha existência e que me perdoem os que só conseguem enxergar o cinzento e empoeirado do tempo, mas eu me manterei (e não é proselitismo) no firme propósito de ver sempre o copo pelo prisma do “meio cheio”, antes de observar o vazio restante. Prefiro agradecer a existência ainda de alguma água, antes do derrotismo do espaço oco da outra metade do recipiente. É tudo uma questão de ótica e esta é a minha.
Não se arvorem ao julgamento de eu ser um otimista tolo e nem se deem ao trabalho de acreditar que é pueril inocência de quem nunca sofreu. Ao contrário, é a atitude de quem entendeu que a melhor forma de se defender das agruras e das dores é não se deixar levar pelo obstáculo antes de apostar que a mais adequada saída se encontra em si mesmo.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

04 de outubro


No dia de hoje, peço-lhes permissão para que eu me afaste um pouco dos meus devaneios para poder falar de alguém que soube ser na vida um filho de Deus.
Sua história é tão singular que mesmo diante de todos os dogmas estabelecidos pelas congregações, inclusive uma das mais poderosas (a Igreja Católica), ele foi exceção. De um modo geral, os que são reconhecidos no mundo ocidental como santos passam a ter suas datas festivas por ocasiões grandiosas como os seus nascimentos. Nem isto, a egrégora de Francisco de Assis, respeitou (com todo respeito!). Não se comemora o dia do Santo italiano pela data do seu natalício – muito menos pelo dia de sua morte. Muito de sua biografia já consta no ideário da humanidade e muito do que dele se sabe mistura-se a questões poucos comprovadas. Mas o que isto importa?
Alguns só acham que Francisco era um santo que falava com animais. Entretanto, ele foi muito mais! Giovanni di Pietro di Bernardone foi alguém que, havendo experimentado a vida, optou seguir o seu coração. Coragem para deixar o luxo não deveria ser o tópico mais importante daquele jovem. O que o torna a expressão da Comunhão com o Divino não é o abandono puro e simples dos bens materiais. O que define a personalidade desse filho de comerciante é a submissão à crença de que o Ser Supremo lhe falou à alma! Quantos homens também investem no abandono do lar, das posses e das relações sociais e nem por isto se tornam santos? Francisco não era, como se costuma dizer, “morno” com relação a Deus. Isto santificou a sua história. A imagem bucólica desse ser humano (na concepção mais plena de humanidade) ultrapassa os passeios no campo, o afago na cabeça dos bichos ou as pombas em seu redor. Francisco, muitas vezes, foi austero e inflexível; foi duro e irredutível. Não por teimosia, mas por absoluta certeza de que na Terra sua missão era a libertação da alma.
No dia em que se comemora a chegada de seu corpo, já sem o alento vívido, à cidade de Assis para o seu sepultamento, minha voz se unem a de tantos outros que como eu louvam este louco de Deus.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Votos são mais que promessas

As promessas envolvem os ímpetos do momento e podem beirar a falta de lucidez. Já os votos, estes são atos conscientes da predisposição dos comprometimentos. E é por esta razão que hoje te digo:

Não te quero perfeção, mas te desejo inteiramente.
Não espero submissão, mas te desejo fiel.
Não exijo aceitação da forma como penso, mas te desejo pela sua compreensão com os meus pensamentos.
Não te imponho o que acho correto, mas te desejo com a predisposição para me ouvir.
Não julgo teus atos, mas desejo que sejas prudentes na hora de agir.
Não te controlo as emoções, mas desejo que te esforces pela serenidade.
Não te venderei ilusões, mas desejo permanecer nos teus sonhos.
Não acobertarei desmedidas, mas desejo ser o auxílio a tua temperança.
Não te lançarei ao vento, mas desejo voar contigo nas asas do que cremos.

Que não haja em nós a espera do amanhã, pois esta expectativa corrói e cansa. Que se existe uma eternidade, que ela seja agora e que nunca mais a possibilidade de ser feliz seja ameaçada pelo porvir, deixando nas aras dos deuses a decisão de viver.

Não te quero de outra forma a não ser esta de poder desejar-te ao meu lado! Aceitas?

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Compromisso e comprometimento


Aos compromissos podemos até faltar. Para tanto, uma boa desculpa, arquitetada e verossímil, pode convencer. Os compromissos são frutos de agendamentos e quanta vez são formalizados tão antecipadamente que corremos o risco de esquecê-los! Os compromissos envolvem mais de uma pessoa e mobilizam muitas atitudes para o seu cumprimento. Compromisso é data, é local, são condições. É um alerta temporal, com estabelecimento de critérios de início e fim, independente da largura que possa existir entre um e outro. Você, julgando-se capacitado, aceita o compromisso e espera o momento dele se concretizar.

O comprometimento é moral e se alimenta do seu foro íntimo. Ninguém precisa lhe cobrar – e nem conhecê-lo. Comprometer-se é mais do que aceitação. É escolha e recuperação. Um resgate de autorregulação, não com a dor da consciência, mas pelo prazer da construção da clareza do que se sabe ser capaz. Comprometimento pode, inclusive, ter data para iniciar e acabar, mas não se prende ao calendário como fonte primária de observação. O tempo é só uma consequência.

Há aqueles que lidam (e bem) com a convivência do compromisso com o comprometimento simplesmente porque não se deixam oprimir pela cobrança das relações interpessoais. Eles transitam entre os dois de forma tão acertada que esfacelam a necessidade das diferenças e esvaziam o sentido contraditório dos conceitos. São sábios pois não utilizam nem os compromissos e muito menos os comprometimentos para agirem em prol de um bem maior: a fé na certeza da missão de viver no mundo.
No fundo, no fundo, comprometem-se no sentido mais puro da palavra, qual seja, ser o local por onde flui a verdadeira complementariedade dos termos.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ampulheta


Perguntaram-me por que “ampulheta”? O que tanto a questão do tempo aparece em meus devaneios como um fato a ser comentado e observado? Sem titubear, pois a resposta não precisava de reflexão, fui taxativo: dois são os motivos que me levam a ter naquele objeto a minha atenção.
Primeiro porque o tempo é inexorável; ninguém pode detê-lo. Isto sempre me assombrou e me atraiu, como dois sentimentos que caminham paralelos em mim. Em outros termos, para melhor me expressar, é dizer que devido as areias que escorrem terminamos por nos defrontamos com a nossa incapacidade de retroagir e diante do implacável (que é o tempo) atentamos para a nossa pequeníssima e frágil dimensão frente à existência.
O segundo motivo (nem por isso secundária razão) é o da possibilidade de fazer girar as âmbulas, passado o último grão de areia. Aferro-me a isto tal qual criança que não pode perder a sobremesa. Dá-nos a vida outras chances, não de refazer o já passado, mas de empreender novas formas de experienciar, tornando instigante e excitante o movimento da inversão do relógio do tempo. Uma vez mais, coloco-o “ɐɔǝqɐɔ ɐʇuod”.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tempo, senhor do tempo?


Numa “conversa de bêbados” (absolutamente sóbrios) da qual participava, escutei uma frase nada original, mas magistral: - Maior do que o poder do sol, só o tempo. Lembrei-me de todas as instâncias em que o “magnânimo” senhor me espremeu e me fez atestar realmente o seu controle e a sua predominância sobre a vida. Não só porque a ele atribuem a cura de todos os males, como também, outorgam-lhe a gerência dos esquecimentos. Quem, dentre os mortais, nunca ouviu dizer que “com o tempo tudo passa”. Cabe-nos as inquietações: A quem é confiada a tarefa de fazer passar? Seria o Tempo o articulador dos mecanismos ou repousa sobre nossos ombros a capacidade de nos engendramos em tantos outros acontecimentos que rejeitamos as dores do passado e terminamos por esquecê-lo?
Fez fama o Tempo e ele, poucas vezes, deu crédito aos participantes do processo, ou seja, cada um de nós. Não o culpo, pois diante de nossas faces ele sempre expôs o rosto pronto às críticas. Quem não o esbofeteou, não o fez por não querer (ou por não saber, tanto faz!). Mas aqui sempre esteve e estará.
Não vou adonar-me da responsabilidade de dar a conhecer aos homens o quanto podemos também ser coautores do controle das nossas emoções e de nossos olvidos. Porém, faço questão de ser uma voz que se une aos tantos que resvalam na suspeita de que também podemos estar no leme de nosso viver. Ó objeto translúcido do mais fino cristal, ampulheta que és, dou-te até a prerrogativa, no movimento do teu escoar, de seres invocado como Senhor do Tempo.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Travessia


Na sala redonda, clara e limpa, nenhum quadro, nenhum móvel. Nada além das portas. Não restava outra coisa a fazer a não ser segurar firmemente a maçaneta de uma delas e seguir. Sem dar crédito à escolha, lançou-se o homem à tarefa e cruzando o portal se foi.
Do outro lado, o pó levantado durou um tempo até que, voltando a cair no chão, descortinou a paisagem. Era pedregosa, árida e quente. As construções de rochas firmes deixavam antever nas frestas as samambaias que nasciam e os musgos do abandono. O caminho pouco regular, coberto de barro era lama de pouca segurança para andar. Viu ao redor os transeuntes apressados que iam todos na mesma direção. Roupas de tecidos crus, soltas e pouco cuidadas. Acompanhou a multidão e cruzando os portões de imensas toras de madeira, deparou-se com uma arena central oval onde os gladiadores lutavam até a morte. Dando-se conta do que lhe sucedera ao atravessar aquela porta da sala vazia, viu-se entre o esfacelamento da linha temporal e o absurdo do momento. Assustado, correu rapidamente para tentar escapar de onde se metera, e percorreu o caminho contrário à gritaria e ao alvoroço dos que nas arquibancadas já pediam a morte dos lutadores. Ofegante e desesperado, não havia solução para a fronteira rompida e, pela viela, viu entreaberta uma rústica porta de casebre. Jogou-se sem pedir licença.
Rosto no chão, susto no coração. Ergueu-se até que a vista se acostumasse novamente. No saguão, pilastras lisas e brilhantes, chão encerado e reluzente, refletia as sombras das cortinas de fino tecido que esvoaçavam em razão do vento. Mas como um casebre era tão luxuoso? O que escondia quem ali habitava? Notou que os homens e as mulheres daquela ocasião eram mais amorenados e de corpos mais talhados. Encostada na parede a estátua negra do grande gato denunciava o culto a Bastet. Mais uma vez, atordoou-se por haver transposto, em segundos, séculos e continentes. O cheiro âmbar no ar, além de mais inebriar, fazia crer que a verdade se distanciara dele. Seguindo pelo amplo corredor, onde as pinturas contavam histórias, avistou outro vão em sua forma arqueada coberto pela transparência de uma espécie de voal branco.
Sem saída outra, já acelerava o coração com tanto medo do que encontraria do outro lado que chegou de olhos fechados. Entretanto, pode perceber que o frio da brisa a tocar-lhe o rosto era quase molhado. Timidamente, entreabrindo a visão, deparou-se com uma imensa floresta dos mais intensos e diferentes tons de verdes, junto a uma queda d'água colossal. Os ruídos eram indecifráveis, eram muitos e em vários tons e decibéis. Estava novamente longe, muito longe do que poderia imaginar ser a sua própria existência. Sentou-se, ainda tonto das travessias, e dormiu.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Trajetória


Na caminhada lenta e compassada, o homem ia descortinando o caminho. A estrada, talhada, longa e reta, estimulava o andar, e ele, pela sensação de liberdade dada pela brisa que suavizava o esforço, tomava mais e mais impulso.
Devido ao conforto e à segurança do trajeto, aumentava o ritmo. A velocidade foi tanta que fez substituir os seus pés humanos por firmes patas bem plantadas no trotar.
Agora, o galope do corcel ganhava o chão e levantava um rastro de poeira diante dos olhos dos que o quisessem acompanhar. Zás...! Nem tanto ao longe, a visão do animal conseguiu detectar o fim da senda, fazendo com que o coração batesse mais rápido que o próprio galgar desenfreado de quem ganha a vida! Se era abismo, optou por desconhecer o perigo disto e sem retroceder, aumentou a corrida. Lançando-se para o penhasco a fim de que a adrenalina da morte lhe desse as asas, tornou-se ave altaneira.
Plainou no ar até recuperar as forças necessárias para o mergulho no vácuo entre as paredes rochosas e gigantescas do cânion. Tal como flecha que busca seu alvo, seu corpo encontra a barreira do espelho d'água e na profundeza do rio, brotam as escamas e nadadeiras que lhe dão a mobilidade do movimento. Lá se vai, correnteza afora, para encontrar a foz e tornar-se grande oceano de paz.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Interjeição


A jovem já pronta para sair. Nos dizeres antigos, mas muito apropriados, de minha avó, estava ela toda “emperequetada”. Preparou-se do mais delicado jeito e forma. Maquiagem primorosa, vestido bem cortado e acinturado. Sandálias luzindo e bolsa impecável. Todo o preparativo tinha em mente a expectativa de pelas ruas poder ouvir de diversos lugares o mesmo diapasão: esperava ouvir os “óhs” que os observadores lançariam em reconhecimento a todo o esforço da produção. Coração meio acelerado não via a hora de ir. Olhadela final no espelho do hall de entrada (que nesse momento se fazia de saída) e lá se foi!
O dia estava claro diante dos olhos, afinal, o desejo movia os passos... O primeiro minuto se foi... passou o segundo, o terceiro.... os ponteiros do relógio eram inclementes e pareciam acelerar o tempo. Nada a moça ouvia daquilo que tencionava. Nem um longínquo suspiro. Nada! Deu voltas, escolheu outros itinerários, retorceu esquinas, esticou avenidas... em vão.
Teve que voltar e abrindo a porta de casa, largou a bolsa, tirou os sapatos, recusando-se a abrir as cortinas. De que serviria a luz do dia? Foi para o banho, a água morna relaxou a musculatura tensa da caminhada. Permaneceu ali um bom tempo!
Já no quarto, corpo seco, cama pronta, decidiu não se vestir. Desnuda e exausta, deitou-se! Nesse momento, sem ousar nada pensar, começou a sentir um vibratório deslocamento de ar que vinha de fora. Aquietou os sentidos para prestar mais atenção e percebeu o estrondoso som oriundo de muitas direções. A percepção do espanto foi compreendida no eco de um retumbante “Oooooooh”.
Adormeceu com a lição aprendida de que por mais ouro que se possa vestir para os outros, ninguém é mais valioso do que no silêncio e a nudez para si mesmo.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A gota


Muitos foram os que disseram para a pequena gota que, pelas suas dimensões, ela nunca molharia um jardim inteiro. O máximo que cumpriria como função seria um “borrifo” na terra. E mais: rezasse ela para que em tal dia não houvesse um sol escaldante, pois se assim o fosse, nem tocaria o solo, evaporando rapidamente.
Triste e encarando a sua pequenez a gota tentava justificar que não era pelo tamanho mas pelas propriedades o seu valor. Ainda assim, eram inúteis os seus argumentos frente aos destruidores da estima alheia. “De que servem as propriedades se não modificarás as condições da plantação?”
Frases desta estirpe, como um martelo a golpear a noite, impediam o sono da pobre. Descansar nem pensar, muito menos dormir.
Tornando-se um martírio ali viver, outra não foi a opção a não ser partir. Isso mesmo. Ir embora! Fugir? Talvez! Digam o que disserem. O que a menina dos ouvidos exaustos queria era se livrar do tormento dos depreciadores.
Reuniu forças para seguir sem olhar para trás. Percorreu os sulcos que ia encontrando no caminho. Sentia-se novamente fatigada, mas de um cansaço novo, desafiador pelo menos. Horas, dias, tempo...tempo... Tempo suficiente para que ela escorregasse em uma fenda profunda e muito empinada e perdendo o controle dos movimentos foi via abaixo até se estatelar, no fim caminho, em um gigantesco lençol de água que se formava à beira do mar.
Perdeu-se ali a minúscula, dando lugar ao gigantesco oceano, formado, é verdade de uma infinidade de tantas outras gotas. Hoje, ela permanece latente e intacta a manter a essência da vida dos que um dia dela zombaram: Total e completa ela segue!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Primeiro e Segundo

Iam pela vereda os dois de mãos dadas. O Primeiro, adulto nos anos que possuía, segurava forte a mão do Segundo, criança na idade que levava consigo. O destino, do outro lado da rua, esperava-os. Entretanto, o fluxo dos veículos que circulavam por ali impedia, num primeiro momento, que eles atravessassem.
Primeiro, homem de histórias já vividas e ouvidas, tentava ser prudente, buscava a faixa de pedestres para cruzar o caminho. Segundo, menino menos provido de cancha e movido pelo entusiasmo, queria aproveitar as brechas dos pequenos engarrafamentos que nasciam no asfalto.
A tensão se refletia no esticar de ambos os braços. Um puxando para encontrar a segurança da travessia e o outro se jogando para lá do meio-fio, vendo entre os vãos dos carros que se abriam diante dos seus olhos uma chance de passar.
Via-se que Segundo preocupava-se com Primeiro, ajudando-lhe a não tropeçar nos buracos da calçada. Bonito cuidado da inocência quando se crê poderosa! Da mesma sorte, Primeiro se esmerava em dar sustento a Segundo para que este não corresse riscos. Belo exemplo da experiência quando já vira na pele resultados das ações passadas! E não pensem que na trajetória deixava de haver a clara ajuda mútua. Se o maior queria ensinar a correta forma de cruzar a via, o menor dava mostras da necessária agilidade que os anos fazem esquecer.
Primeiro cauteloso, Segundo ligeiro. Um pelo vivido, o outro pela descoberta.
Desta maneira, caminharam até que a lei da complementaridade os fez chegar à sua meta. O arfar dos “uffs, conseguimos!” no mesmo tom de voz denuncia as suas identidades: No Primeiro me reconheço, neste momento em que vivo, enquanto que no Segundo percebo o que fui há tempos atrás. Seres em um mesmo ser que luta nas correntezas das possibilidades e reluta, tantas outras vezes, na contrapartida das oportunidades. Os dois sou eu!

terça-feira, 26 de julho de 2011

Bicicleta

Sentado no meio-fio, descansando de caminhar, vi passar por mim, numa velocidade considerável, uma bicicleta. O mais curioso é que não consegui me deter nem no condutor e muito menos nos detalhes do veículo, nem cor, nem modelo, nada! A razão não foi a rapidez do deslocamento. O que me desviou a atenção da percepção do todo foram as redondas formas que engendram o movimento. Mais especificamente, uma das varetas de aço escovado que compõe o aro. Não me aventuraria a descobrir o já descoberto – a roda. Entretanto, lancei-me no delírio de enlaçar a vida naquele objeto. E, caso me permita divagar, creio que consigo estabelecer os pontos de interseção entre a existência e a haste.

Se bem observarmos, repetidamente passamos pelos mesmos sinais enquanto vivemos. Como a órbita do planeta que traça o seu percurso e volta ao ponto de partida, experimentamos o gozo e o sofrimento e a cada completamento do trajeto reconhecemos e aprimoramos tais sensações.

Assim, o pneu da bicicleta fecha, de tempos em tempos, um ciclo. Quanto dura a volta total? Tudo varia a partir do ritmo da pedalada e de o quanto estamos ainda com fôlego para empreender mais esforço. Vai dizer que não se parece à vida? Qual a periodicidade de retomarmos os fatos e as experiências? As coisas não estabelecem uma estrita dependência de fatores como disposição enfrentar? Não estamos a todo instante revendo se vale à pena correr mais ou diminuir a velocidade?

O certo, mas o certo mesmo, é que de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, a vareta cromada da nossa vida volta a passar pelo mesmo ponto que tangencia o chão e no impulso de continuar existindo, segue o seu curso para fechar daqui a pouco mais uma volta.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Pecados e inocência

Sabe quando você se arrepende de algo que depositou na conta da inocência achando que era, no mínimo, inofensivo, mas que se transforma em rota de colisão e quando se dá por si, já entornou o caldo? Pois então. O que fazer? Justificar os atos que você continua achando que são ínfimos e que não iriam dar movimento algum em nenhuma parte da sua vida? Ou reconhecer que houve, apesar da visão sem maldade, um erro da sua parte?
Na atual conjuntura, em mim não resta a menor dúvida: devo dizer que errei não tomando como referência atos que não cometi, mas errei por me esquecer de que vivendo e convivendo somos parte de um conjunto.
Razão pela qual abri mão de lhes escrever hoje outro texto, motivado por uma observação corriqueira, para dar destaque às reflexões dos erros que cometemos mesmo sem querer.
Fui solapado pela minha inocência e insegurança e acabei resvalando na tolice. Na tolice do não dito, na mal focada luz do apagado no tempo, na sombra das minhas frustrações. Permito-me, agora, extravasar essa agonia, não para justificar os dois adjetivos postados (inocência e insegurança), mas para meditar, através do ofício do discurso revelado, sobre as besteiras que fazemos sem necessidade. Réu confesso não de transgressões, mas de omissões, entendo que ao abrir uma lacuna de silêncio podemos criar “monstros” inexistentes. E a pergunta que permanece é “quem os aniquilará?”
Desculpo-me publicamente pela minha insensatez que pode matar tanto quanto a estupidez. Ambas, não só pela rima, mas pelas consequências, são candidatas a agravar belos espetáculos de vida. E para não correr este risco, lanço-me na tarefa de dizer “que besteira eu fiz (ainda que não a julgando como tal) e que quase pôs a ruir o valor do que vivo. Por onde anda a lucidez (mais uma rima pobre) da segurança e da certeza da verdade que em nós habita? Salvem-me, ó palavras que engendro na mente e pulverizo no som da voz. Salvem-me de minhas escorregadelas a fim de que eu seja absolvido a partir de mim mesmo, sem martírios e sem pecados.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Construção

No vai e vem entre a linha d'água que desenha o chão num tom mais escuro e a luz que se reflete mais clara, na areia, via-se a sombra das pernas curtas e apressadas que iam rumo à parafernália de plásticos, cores e formas que circundavam o fosso. Abrindo as mãos, despejava a argamassa tão molhada que ao invés de cair, escorria. Na mesma pressa, o caminho de volta trazia a missão de que não poderia demorar buscando mais material para a construção. Muitas tentativas. Muitas delas frustradas, pois gastando o tempo da trajetória, o sol, cumprindo sua função, convertia tudo em bloco ressecado de terra fina.

Mas o menino era persistente. Continuava no empreendimento.


Com uma gigantesca dificuldade iam-se levantando paredes e pilastras, preparando torres e bastiões. Por vezes, a ameaça de um vento natural que passava, outras, o sopro gerado por afoitos e distraídos que giravam por ali, transformavam o minúsculo corpo em obstáculo e segurança.


Exaurido da função, quis dar melhores resultados ao trabalho e deixou que lâmpada das ideias se acendesse. Por que não utilizar um adjuntório para garantir que as intempéries não voltassem a ser um infortúnio?


Fuçando aqui e acolá, encontrou num terreno meio-baldio um velho saco pardo com o acinzentado pó mágico. Recolheu o que lhe cabia nas mãos e triunfante aproximou-se da sua obra. Polvilhou o que já erguido estava e se dirigiu uma vez mais à orla. Trazia agora a empolgação na corrida. Todos os problemas de manutenção do trabalho estavam garantidos. Espargiu o líquido por cima de tudo que estava coberto de cinzas e esperou. Ufa! Era descasar e observar com admiração a perpetuação da labuta.


Como sempre, o astro-rei não tardou a deferir sua radiação e calor, calcificando ainda mais o amontoado esturricado de areia. O criador, ao observar a sua criação, com o peito estufado de quem diz “venci”, nota alguns pequenos ajustes que deveriam ser feitos. Sentou-se defronte a ponte que abaixada unia o portão de entrada à estrada dos forasteiros e chorou. Percebeu que nem sempre o melhor caminho é perpetuar os castelos que se constroem, pois mais adiante, em percebendo a necessidade de novas adaptações, não resta outra coisa a fazer a não ser derrubar tudo (com mais esforço e força do que se fosse somente areia) e começar outra vez.


Algumas imortalizações são como lápides: servem para somente informar que ali jazem os sonhos.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Trigêmeos

Havia chegado a hora. Um corre-corre, diríamos “normal” em momentos como aquele, tantas vezes vivido. Entravam, na sala de parto, os envolvidos. O que não poderiam supor é que, antes mesmo de começarem os procedimentos, quando todos se deram conta da situação, o primeiro já tinha nascido. “Foi muito rápido”, diziam. “Quando percebemos já tinha acontecido”, retrucavam outros. A verdade é que nasceu!
Mas não acaba aí a história! Há mais por vir. A respiração ritmada impõe o tom dos trabalhos. Lá vem mais um... todos preparados. Dentro dos conformes, a sucessão dos fatos flui na tranquilidade do esperado. É possível ter certeza do que se faz ali e, permitindo-se aproveitar cada segundo daquele milagre, o segundo surge. Limpam-no, colocando-o ao lado da mãe para eternizar o instante na foto com flash.
Sabia-se, de antemão, que o serviço não acabara. Todos na expectativa e nada... Esperavam, esperavam, esperavam... A angústia assaltava a uns, o temor se interpunha entre outros. Uns poucos (mas poucos mesmo) usavam da paciência. Sussurros para cá, movimentos para lá. Olhos atentos para ver a decisão dos responsáveis. Um encontro de afoitos, nervosos, tensos, desatentos, despreocupados. Uma sucessão de pessoas no ambiente a aguardar que viesse o último “rebento”. Quando não tinha mais jeito, eis que surge.
Agora, a mãe, a senhora Vida, vai bem. E coube ao pai, o senhor Tempo, a incumbência de registrar os filhos. O primeiro chamou-se Passado, Presente o segundo e ao terceiro deu-lhe o nome de Futuro.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Perplexo

Deparei-me tentando justificar os meus paradoxos. E o mais sério da questão era que tentava explicá-los para mim. Seria uma desculpa para seguir incorrendo no erro de me perder no tempo ou uma ingênua forma de me entender? Somava-se a este sentimento mais uma pergunta: Acaso existe esta possibilidade última de se auto-entender? Insistência jamais foi persistência, é verdade, entretanto, caminhar pelos meandros de ambos os lados – do tempo que escoa e do próprio conhecimento – faz-me sentir mais seguro, não das respostas, mas da certeza de que estou, ao menos, tentando.

Não quero dar mais importância ao fato do que ele merece. Porém, é inevitável não me sentir incomodado por ir descortinando diante dos próprios olhos que há uma série de incongruências entre aquilo que sou, o que pensam que sou, o que acho que sou e o que acredito que deveria ser.

Não entendeu? É fácil! Basta que você se coloque no meu lugar e se indague: Sei exatamente quem eu sou? Se sei, por que é então que alguns não me entendem? Não têm os outros esta obrigação, mas, hão de convir que, em havendo um hiato entre o que penso de mim e a forma como esse “eu” chega ao outro, alguma divergência deve existir. Deste modo, minha figura não é outra se não é a instauração da perplexidade que me assalta no exato segundo em que acordo e alimento a esperança de ter mais um dia para me surpreender em mim mesmo.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Por onde anda o poeta?

Revisitando as palavras do doce e angustiado Bandeira, reedito-as nos seguintes termos de alerta inicial: não sou poeta menor, que dirá poeta! Mas quero crer (e até prova em contrário não abro mão da crença) que existe aquele que escreve e aquele que, independente do que escreve, vive! São dois entes!
Ficou confuso? Tento explicar:
Palavras e traços lançados no alvo alvo pertencem a um deles. O que não quer dizer necessariamente que são o espelho do outro. Ninguém estabeleceu esta regra de reciprocidade para a poesia. E fadaria ao fracasso caso assim lhe fosse imposto. Não só cercearia a criação, como impediria o sonho.
Que blasfêmia infame a de associar os versos ao punho que tão somente sustentou a pena! Imaginemos, pois, a seguinte cena:
O indagador tentando desfazer a confusão,
Pergunta ao versejador em primeira mão:
- O que quis dizer com suas linhas?
Eis que brota a resposta “Não são minha!”
- Não falei minhas e sim linhas!
- Pois bem entendi e lhe disse que não são minhas!
- Ora pois, de quem então?
- Suas são!
- Minhas?
- Meu rapaz! Por que a indagação? Não perguntes mais. É vão!
- O que faço com a dúvida que me consome?
- Larga a busca do pertencimento de nomes
E, se sagaz consegues ser,
Desfruta do que os teus olhos podem ler.

terça-feira, 14 de junho de 2011

A Pessoa e aos que amam

Pelo aniversário (ontem) de Fernando Pessoa


Fernando que me perdoe,

Mas eu também

Sou um guarda-dor

Daqueles que sentem no peito

O ardente feito

Do sentimento-amor.



Abrir meus braços

E ter de igual modo

Aberta a cabeça.

Esta é a sina de meu posto

Para me manter longe dos pensamentos errantes.



Sou eu um guarda-dor!



E que venham, então, os que choram de rir,

Os que tontamente amam

Sem saber por quê.



Caminhem comigo.

Eu os conduzirei

Na rota dos aprendizes

Que ensinam a amar.

Faremos, assim, de nosso mundo

O paraíso dos que lutam

Pela vitória dos amantes.



Deixem que eu faça jus ao meu cargo

Ficando tempo largo

Como que a compor:

Sou um renovado guarda-dor.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cacos de vidro

À Adrianne Ogeda


Olhando assim de soslaio é o caos. O número grande de cacos de tamanhos e formas variados assusta e denuncia que houve alguma catástrofe! A visão se embaralha na confusão e na desordem da quantidades de cores e as mais diferentes texturas de vidros. Parece, num primeiro momento, que o trabalho de limpeza, quando se iniciar, não findará.
Quem teria feito aquele estrago todo e nem se deu ao luxo de recolher os destroços? Ousadia, hein! O culpado (se há culpados), pelo visto, está muito seguro de que alguém, com excesso de senso, virá para recolher o material roto. Só pode ser isso! Provavelmente é isso mesmo! Sempre há o “folgado” que sabe que o “incomodado” vai colocar a mão na massa e deixará tudo direitinho como antes.
Assim vão eles, assim seguimos nós!
O que não sabem – e nem desconfiam – é que sem nos importarmos com o que pensam os criadores de cacos (e de casos), cumprimos as nossas tarefas e fazemos bom uso do que nos dão. Não nos lastimaremos. Isto seria perder tempo e energia. Não nos sentaremos à beira do caminho, achando que o melhor é desistir. Tal atitude só nos igualaria aos estabanados desestabilizadores.
Bem se vê que não nos conhecem, pois mais do que mexidos pelos pedaços de cristal que se espalham pelo chão, nosso tino de vontade galga outros patamares. Não se dão conta do que fazemos, nem como e nem porquê. Mas repousamos os sonhos na tranquilidade de nosso dever alimentado pelas certezas de somos capazes de transformar aquela coleção de fragmentos de vidros no mais belo mosaico digno de ornamentar as catedrais da existência.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Seguem Eros e Narciso

Antes de me acusares como o subversivo do instaurado, dá-me a oportunidade de falar. Não te peço licença para me justificar. O que estou pleiteando é o espaço dos argumentos. Não tenho – e por certo não terei – a intenção de mudar as imagens e nem, muito menos, anseio lançar-me na autoria da desmitificação. Esse certamente não sou eu. O que faço, e isto permito-me assinar, é reposicionar-me diante do discurso repassado através do tempo. Complicado? Não! Basta ter calma e deixar que eu explique.
O que emoldura o meu cenário é a hipótese muito plausível de um instante anterior ao que foi legado à humanidade. Refiro-me ao encantamento narcísico. Todos aceitam a verdade da cena na qual o jovem se enebria de si mesmo, mas poucos retrocederam no jogo para questionar outras hipóteses como a que minha veia inquieta lançou. Por que seria tão absurdo que Eros tivesse chegado antes e, cumprindo com o que lhe é missão, houvesse disparado sua flecha na alma do menino? Ó crueldade dos ímpios, quantas vezes foste tu mesma que buscaste desculpas para o amor? Permite que eu potencialize outras possibilidades que não só as restritas consagradas. Narciso apaixonou-se sim, mas não unicamente devido a uma maldição lançada. Houve sim, naquele local uma confluência dos atos e, na concordância do acaso, vi juntarem-se a magia, o desejo e o destino.
Eis então, querendo tu ou não, o resultado do que penso ser processo: Não há mergulho em si mesmo se não existe a presença prévia de um Eros.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Vaticina Tirésias

O que impressiona é o enquadramento da cena. Só se observa – ou pelo menos só se difunde a imagem – o espelho d'água, o desenho do rosto alvo tremulando nas ondulações provocadas pelo vento que por ali passava e debruçado à beira do rio aquele corpo bem feito de musculatura e textura. O silêncio também colabora com o tema e quase impede de questionar os motivos que levam o imberbe a estar paralisado no ato da admiração. Está inebriado pelo que vê? Encanta-se com a própria face reproduzida? Provavelmente sim. Mas não esta não é a razão absoluta da questão. Os olhos pouco curiosos não percebem um entorno mais amplo. A espreitar, do alto de uma copada árvore, uma sombra se delineia. Mais corpulento, porém não menos definido e alvo, a figura aponta a sua seta em direção ao jovem tombado às margens das águas.
Eis o encaminhamento da explicação plausível: Ele fora atingido pela poção do apaixonamento e por desconhecimento ou inocência não soube livrar-se de si mesmo e cristalizou a paisagem. Parou no tempo de tanto se olhar. Fato que desestabiliza o astuto observador e força-o a lançar a segunda flecha. O toque pouco suave e repentino da pontiaguda prata embebida no veneno do amor fez com que o autoadmirador assustadiço pulasse e perdendo o domínio do próprio corpo, rompesse a inércia e caísse no curso da fonte de seu enfeitiçamento. A dor no coração de Eros se traduziu no traço de uma única lágrima em seu rosto que ao tocar o solo, molhou a terra onde havia nascido a flor de Narciso.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Em paz!

Tudo começa realmente pela percepção do entorno. Antes mesmo de uma avaliação criteriosa, as primeiras impressões constroem um conceito, ainda que este possa ser posteriormente refeito com bases mais sólidas de conhecimentos e informações mais fidedignas. Mas, inegavelmente, o princípio parte da sensação.
Assim, tem início a brisa. As folhas e os pedaços de tantas outras coisas espalhados no chão denunciam que se aproxima o vento. Tudo se move! Quanto mais o tempo passa, mais se entende do que se trata. Aumenta a intensidade do ar em movimento. O corpo oscila, a poeira atrapalha a visão, a temperatura também muda.
O embate se faz! Não há como fugir. As vozes, em tons tão diferentes, daqueles que assistem colaboram com a surdez e há pouco espaço para a lógica do pensamento. É a aproximação do redemoinho que paralisa a ação.
Dói e assusta o instante exato em que o tufão toca a pele. A solução é enrijecer o corpo e resistir ao que vem de encontro.
Enquanto o pó e os destroços que formam o vendaval chegam não existe raciocínio. Permanecem o incômodo, o medo e o desconhecido. A única coisa a fazer é nele entrar (ou se deixar engolfar). Eita transição amarga e aviltante!
Estando em meio ao giro frenético do destempero da natureza, a angústia aperta a garganta, o grito não sai. O tempo perde os ponteiros e parece infindável. Tudo roda, entontece e entristece.
Vencidos esses eternos segundos, lá no centro da confusão, uma situação, no mínimo, mostra-se insólita. Um silêncio impressionante e uma ausência de turbilhão. Os olhos enxergam o lado de fora e percebem que ainda resistem os que se apavoram e gesticulam corpos e mentes. Não se ouve o que dizem e não se entende o que sinalizam, mas o fato é que ali, enquanto a velocidade centrifuga à volta, o olho do furação é o estado a ser vivido em paz!

terça-feira, 10 de maio de 2011

Escolhas II

Diante de mim, a sucessão de portas... a alternâncias e a variedade de oferecimentos não representavam a bondade de quem quer ajudar. Claro que não! Era sim a picardia de fazer com que o selecionador, no caso eu, paralisasse ante as incertezas e das dúvidas.
Num primeiro instante, a dicotomia se fazia representar pelo vacilo inevitável do susto e pela imperiosa necessidade de seguir. As duas opções por si só excluíam quaisquer outras possibilidades. Não havia nada que colaborassem com a dissuasão da confusão, restava somente o risco da escolha.
Fui...
Já do outro lado, cruzado o umbral, fechada a porta, era hora de seguir.
Os olhos ainda ardendo devido à transposição do ambiente, era o começo da adaptação aos novos tons de luminosidade do lugar.
Neste fragmento de tempo, alguns se apavoram e pensam que jamais voltarão a ver com a mesma plenitude de antes. Aí repousa a primeira sensação de fracasso que pode levar a perder a oportunidade da experimentação. Tempo... tempo.. tempo.... Tempo de esperar, tempo de se acostumar, tempo de entender o que faz parte do inédito. Não conseguindo, muitos se boicotam e desesperados estancam.
Passado o sufoco inicial, pé ante pé, lanço-me na tarefa de gerar movimento. Aguçam-se todos os meus sentidos conhecidos e chego a imaginar que existem outros que nem me dou conta. Estudando o espaço com o corpo, esbarro nos obstáculos, resvalo na incerteza do solo, sinto o vazio dos empecilhos, respiro com cuidado para não deslocar o desnecessário... É assim que, promovida a seleção, devo manter-me até que após longa convivência, o que era ignoto se aproxima do domínio do conhecimento.
E a vida, essa voraz desestabilizadora, quando me vê mais seguro, torna a apresentar no final do percurso outro feixe de portas para renovar o processo da escolha.
Então, lá vou eu outra vez!

terça-feira, 3 de maio de 2011

Escolhas

Diante de tantas portas e uma única chave, parado ali, só me restava entender qual deveria ser o procedimento e qual o objetivo da cena. Rápida a mente começa a conjecturar, duas eram as possíveis respostas: ou somente uma das portas encaixava-se perfeitamente na chave (propositalmente não falei sobre o encaixe da chave na porta) ou se tratava de uma chave-mestra!
Como ninguém me forneceu manual de instrução, fui a diante, investi o meu esforço na abertura de uma porta, deixando as outras.
Haveria tempo de testar porta por porta? Caso estivesse eu errado, haveria a recuperação da chance em outra saída? Arriscaria um tempo que sequer sabia existir?
Escolhendo, “desescolhe-se” tudo o mais (permitam-me o neologismo). Nisto não há problemas ou danos. Certamente porque o processo de se lançar em uma direção pressupõe o abandono das outras tantas.
Seja pelo motivo que for, tomamos o rumo da existência ou porque assim o quisemos consciente – e bancamos a atitude – ou porque somos engolfados pelas circunstâncias – o que fazer? A verdade é que as nossas seleções se configuram pelas oportunidades conquistadas, pela semeadura do que se intenciona, conta com o fator sorte ou acaso (nem excludente e muito menos inexistente), encontra guarida também na ausência de visão mais ampla, em suma, a vida, em múltiplas possibilidades, pode brincar conosco de originalidade. Estejamos preparados!
Talvez, o fator mais crítico do abandono das chances em detrimento de uma só seja a dor do não aproveitamento da posição em que nos encontramos. Pobre daquele que, seguindo um caminho, desfia o rosário de lamúrias do que deixou para trás, pois além de não experimentar o que ficou lá longe, na encruzilhada da tomada de decisão, ainda se desgasta com o fardo daquilo que colocou nos ombros para carregar.
Naquela coleção de poucos de segundos que me obrigaram a escolher, coloquei a chave, girei-a e cruzei o portal.
O que havia do outro lado? Isto é uma outra história!

terça-feira, 26 de abril de 2011

O colecionador de cristais

Colecionava cristais, cuidadosamente guardados em caixa de prata. Com esmero e certeza do que possuía, sabia exatamente quantos tinha e de quando eram. Impressionante a forma como dispunha cada pedra daquela que reluzia ao ser limpa e expostas à luz.
As histórias de cada cristal não se confundiam jamais. Até porque, elas eram o resultado das lágrimas que produzia quando uma dor ou sofrimento se lhe tomava de assalto na vida! Inesquecíveis e guardadas, ali estavam sempre.
Não acreditando em bem que sempre dure – entendendo como bem aquilo que se possui e encarando os cristais como seus mais preciosos bens –, a sorte não lhe soprou a favor naquele dia.
Surpreendido pela cena de uma folha que havia despencado de uma alta árvore e que, soprando leve, uma brisa não permitia que ela caísse logo, um sorriso se esboçou no rosto marcado pelas rugas de tensão sempre alertas! Naquele momento, por distração, deixou que a mente vagasse no mesmo ritmo da folha. Dançando ao sabor do vento, os pensamentos largavam-se todos no entusiasmo provocado pela bailarina amarelecida do anúncio de chegada do outono. Chegava a rir... isto mesmo.. rir do que estava vendo.
Foi o suficiente para sentir que o seu colo começava a ficar molhado. Instintivamente abriu a caixa e, uma a uma, viu cada pedra de cristal desfazendo-se em liquido, voltando a ser lágrima. Perdeu-as todas e culpando-se por haver dado chance a sentir alegria, esquece o lapso do encantamento, torna a fechar a caixa e chora...
Recomeça a coleção de cristais!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Tabuleiro

O desavisado ou, pelo menos, aquele que se furta a aventura de viver seria capaz de achar estranha a cena. Caso a estranheza ultrapasse às raias da razão, diria ser loucura e desconexão. Mas, a bem da verdade, só quem nunca se arriscou chegaria a tal conclusão.
A mesa, muito bem posta, coloca em régua milimétrica os objetos em imagem refletida. De cada lado, as cadeiras recebem os jogadores que contendo a tensão necessária e capaz, fazem os movimentos segundo o que as suas condições lhes permitem para que não demonstrem vacilações ou improdutividade.
O tabuleiro, alternadamente branco e preto, estimula os apressados a emitirem suas opiniões sobre divertimento. Porém, cabe-me o tino de descrever, nos pormenores, tudo que envolve a questão.
As peças que povoam o lado direito são redondas e achatadas, cabendo por completo em cada “casícula” alva e negra – eis o jogo de damas.
Na outra extremidade, surgem os elevados elementos (torres, cavalos, rei, rainha, bispos e peões) que movidos no limite dos deslocamentos encontram barreiras espaciais – e não especiais – para seguirem em frente! Ali está o xadrez!
Tomando assim de susto, havemos de concordar que não há como aceitar o prosseguimento do embate, pois jogos diferentes, regras outras!
Equívoco pontual de quem desconhece os motivos. Ou seja, a dois, por mais que possa parecer a terceiros algo impossível e estranho, sempre existirão acordos específicos de convivência e por mais disparatada que se mostre a situação, somente os envolvidos asseguram a manutenção do que se propuseram jogar. É estabelecer, num âmbito privado, os sinais de construção do que estabeleceram como meta. Em suma, chamam a isto de casamento.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Compositor

Entre um devaneio e outro, a pausa de meus sentidos apressados fez-me perceber ao longe uma melodia. Confesso que, cansado de engendrar tantos pensamentos, não fui capaz de reconhecer se era uma música produzida por instrumentos do mundo real ou se fazia parte do preenchimento do vazio da mente. A única coisa que posso afirmar é que me deparei com mais uma das verdades (ainda que as verdades sejam sempre parciais) que vou carreando ao longo da minha jornada: a genialidade não carece de tantos elementos para ser considerada descoberta. Pode deixar que tentarei elucidar a questão!
Uma sinfonia, numa análise determinada, é composta da magistral combinação de sons. Entretanto cabe dizer que são somente sete as notas musicais, em escalas diversas, mas restrita e exclusivamente sete. O trabalho – a árdua tarefa da sensibilidade, da emoção, da sorte e do suor – consiste em dar vasão às múltiplas possibilidades e, arrisco-me a dizer, repetitividades dos acordes. E quem pensa que sobre tudo já se criou, pode ser surpreendido com uma nova métrica, uma inédita ária.
Assim também o é na análoga vida. Somos uma apanhado de alguns procedimentos e, magicamente, deparamo-nos com a necessidade de revitalizar o que somos – a bagagem que trazemos – objetivando dar sentido à existência. Mesclamos, selecionamos e até reinventamos (dentro dos limites do que temos nas mãos) a orquestração de nossos dias. Não devemos, logo pois, contar com os fatores estranhos as nossas matérias. Obriguemo-nos sim ao exercício da arte combinatória e, certamente, o resultado trará a harmonia da audição de quem se lança na tarefa de se auscultar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Tento

Ilumina-me o vento
com as perguntas que invento
desde os meus aposentos.
Sou este relento
de onde o trabalho turbulento
que eu mesmo acrescento
dá luz ao meu sustento.

terça-feira, 29 de março de 2011

Perguntas e respostas

Não quero tropeçar nas certezas das respostas, pois até elas podem ser tão fluidas que são capazes de derrubar qualquer afirmação categórica. Prova disto está na quantidade de anos em que se acreditou piamente em que a Terra era plana. Daí, concluo: a angústia de quem vive ou pode estar pautada na expectativa do que o instante seguinte lhe reserva, é a famosa surpresa do futuro (e quem assim rege os dias acaba por não caminhar), ou bem pode localizar-se no cansaço da não-obtenção das explicações (estes perdem as esperanças). E como não quero me cansar mais do que o necessário, deixo para os afoitos ambas as tarefa. Desejo afastar-me dos quereres desregrados para que eles não sejam mais grilhões do que aqueles que já, por força de existir, arrasto. Não me esquivo de seguir os dias e nem me furto da arte de me lançar na chance do erro, do acerto, das tentativas, das frustrações, mas o que me nego – e nisto sou taxativo – é permanecer na sofreguidão da reclamação das inconstâncias que fogem à minha lógica.
Sei que há um mundo para além do alcance do que meus olhos podem ver, entretanto a pergunta que não me deixa é: se não conseguirei desvendar todos esses mistérios que povoam a alma humana desde sempre, por que eu, mortal, insistirei em deixar pegadas nas dúvidas? Tal atitude solucionaria a dor do universo? Se assim o fosse, seria o primeiro voluntário a integrar o elenco dos questionadores. Porém, algo me diz (e sem explicação do que me fala) algo me diz que é inócuo jazer no vácuo da pergunta. Simplesmente anseio alimentar o meu viver!

quinta-feira, 17 de março de 2011

Bandeiriana: a vida que podia ter sido e não foi

Por incrível que pareça, o passado também se idealiza. Não o mudamos e nem limpamos as dores, principalmente aquelas que cortaram a carne. Não. O passado não é dissolvido no ar como poeira. Podemos fazer força para esquecê-lo (e as vezes somos tomados de uma amnésia sugestiva e intencional), mas o passado não se apaga. O passado por definição é: A inoperante chance do “poderia ter sido” (mas não foi!). Entretanto, ainda há aqueles que alimentam um passado tão vazio de significado somente pelo fato de não quererem sofrer o presente. Há os que criam um cenário tão longe da realidade, que chegam a crer, inocentemente, que viveram o que nem de perto se constituía como real. Chamam à memória uma sensação que, analisada de forma isenta, ver-se-ia como improvável. Mentem? Claro que não! Enganam-se? Talvez. Não por maldade ou mau-caratismo, mas querendo se defender do insondável futuro. Alguns, embora possam ter sofrido, naquele então, ofensas ou desprezo insistem em manter a soberba do ofensor e escutam, hoje, esse “algoz” com um ligeiro sorriso nos lábios, pois afinal de contas, “vivi aquele tempo” (que na verdade nem existiu!).
“Ó tolos arraigados, não vos maltrateis trazendo à tona o que não move mais os moinhos! Não vos recuseis a olhar os sulcos com perspectivas verdadeiras. E jamais temais enterrar os vossos passado.”
Dizendo não à violência que um passado criado pode trazer, certamente ele não deixará de ter acontecido, mas, obviamente, dará ao homem a única oportunidade de ser feliz: o presente. Não insistas em relembrar o que não foi tomado por ti. Aquilo tudo nada mais é, no agora, a miragem, absurdamente miragem, da sombra de um ontem. Não valerá à pena!

terça-feira, 15 de março de 2011

Voo-pássaro


Rasgam o cenário as duas lâminas articuladas da tesoura de sua cauda. Em contraste com o resultado alaranjado da mescla do ocaso, o traço azulão-prateado, parece, pela velocidade, querer manchar a palheta do céu. Trazes no teu voo o anseio da chegada do tempo de desabrochar. E, ainda que incerto, agarramos-nos na esperança de que uma vez mais será instante de florescer.
Resistente, teu senso de orientação deixa os olhos que te acompanham incrédulos, uma vez que repetes diariamente a trajetória sem errar a linha. Ágil, escapas das ameaças nos rasantes efetuados, e mesmo diante do perigo, a velocidade da sobrevivência faz-te elevar o corpo outra vez. Sem temer a distância, lança-te na aventura de buscar temperaturas mais cálidas na certeza de que perpetuarás a espécie. Tão pequena, mas tão imensa, a andorinha-exemplo faz corar de vergonha o homem que pouco conhece de si mesmo e falha ao estabelecer os projetos de controlar as areias da sua própria ampulheta que escorrem inexoráveis.

terça-feira, 8 de março de 2011

O caminho da poesia

Piso suavemente os versos da poesia. Por entre verbos, adjetivos e rimas meus pés se guiam para que não perca o passo nem o ritmo estabelecido por cada um. Não me tomem por herege e muito menos por soberbo, achando eu que posso ser superior. Ao contrário, minha pequenez me faz avançar, na vida, sustentado pela força das palavras cautelosamente são colocadas em cada linha. Altivo são os poetas que souberam dizer o que minh’alma sempre quis expressar. Ousados são eles que sem receio ou a preocupação dos derrotados esculpiram os degraus por entre os que caminho. Reconhecemos-lhes o valor, pois, ao lançarem no alvo branco da expressão o que lhes conforma o íntimo, não tinham por primeira opção a aceitação e muito menos a obrigação de agradarem a terceiros. O que verdadeiramente sempre lhes impulsionou – e peço permissão ao pleonasmo da emoção para dizer – foi a imperiosa vontade de entenderem-se a si mesmos, como o faço tão modestamente neste desabafo!

terça-feira, 1 de março de 2011

As sete qualidades capitais (cont.)

Reitero a minha necessidade de não estar condicionado a pautar meu comportamento em primeiro lugar pelo temor do erro. Ainda não me deram uma explicação plausível para que eu, ou qualquer outro ser humano, tenhamos que nos desdobrar nas atitudes considerando antes de tudo o que não devemos fazer. Cresci – e se cada um quiser também tomar para si o meu discurso – crescemos fomentados pelos efeitos que o pecado pode ocasionar na vida de um “digno” ser vivente. Razões até encontramos, sejam elas de cunho religioso (dogmático mesmo) ou motivos sociais de imperiosa vontade de controle. Mas o fato é: Por que para ser reconhecido como humano não me basta agir somente pelo prazer das ações ou o de bem-estar colaborativo em termos de humanidade? Quem me poderia justificar que antes de dizer o que é bom, precisamos construir a ideia do ruim?
Depois de tantas associações com o que se desenha de inferno para os transgressores, não quero chegar à conclusão de que o homem é bom não porque dele nasça essa prática, e sim porque ele teme ter que transitar entre os portais do purgatório e o fogo do inframundo. Não pode ser assim tão direta a questão! Ora, faço o bem não pela convicção, mas pelo susto do risco. Não quero acreditar que seja assim.
Desculpem-me a indignação, mas ser comedido, desapegado, desprendido, amável, alegre, empenhado e modesto não deveriam ser as medidas de seus opostos e sim, a bandeira a sinalizar a construção das interrelações.
Ainda restará um fio de esperança enquanto houver, ao menos, um entre nós que, de tempos em tempos, venha ao mundo a desafiar a força do instaurado e, quase martirizado, propuser a revisão dos conceitos. Não tem jeito, pensarei assim sempre!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

As 7 Qualidades Capitais

Uma pergunta tem me sondado os dias: Por que devo sustentar minha vida através dos limites do inescrupuloso? Não consigo entender como fazer o caminho a partir do medo! O que leva os homens à imposição do temor para garantirem a supremacia de suas instâncias? Será insegurança ou vergonha a instauração dos limites. “Não ande por ali”, “Não pise acolá”, “Tomar este rumo lhe condenará a alma” e tantas outras frases de efeito que, por repetição, afastam-se da reflexão. Ninguém pode comprometer a eternidade tão somente por aprender a entender as limitações. Não se vence a batalha sem se conhecer os inimigos. Homem algum pode enfrentar o mostro se na peleja já entrar derrotado. Alguém pode me dizer, baseado em razões plausíveis, por que devo pautar a vida pelo não-erro ao invés de vasculhar em mim mesmo o conforto do acerto? Certa vez, fui inquirido sobre meus pecados. Retumbante palavra, ferina e maltrapilha ecoou na alma, travou as explicações querendo que eu me desfizesse de mim mesmo. Mas se só se conhece a noite porque há o dia para se contrapor, como entender minhas virtudes (se as tenho!) sem compreender o que me tolhe? Não proponho a anarquia dos sentimentos, mas vale à pena aferir alguns quesitos dentro dos torpes comportamentos humanos. Façamos, antes pois, um estudo de cada uma das imposições dogmáticas dos pecados (e que me convençam deles) para que só então, venham os doutos do cerceamento alheio me dizer que não vivi!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Jogadores no tempo

O olhar mais aguçado não é o que busca os detalhes para formular as críticas, é sim aquele que pelas lentes da presteza e da coragem encara seja o que for. Estive a observar, no horizonte, uma pequena e alongada nuvem que se movia no seu ritmo segundo as condições atmosféricas de onde se encontrava. Logo imaginei: “Em quanto tempo pode ela chegar até aqui?” Nem a expectativa de ver atendidas as minhas especulações foi suficiente para que eu pudesse esperar a sua chegada. Perdi, então, naquele momento, a chance de observar as modificações que o sabor do vento transforma. Somos assim também com relação aos homens e somos muito mais severos ainda quando tratamos de nós mesmos. Se, claramente, percebemos as formas e no tempo de nossas exigências conseguimos enxergar, ótimo! Deixamos correr solta a formulação das ideias e não hesitamos em construir valores e conceitos. Entretanto, se somos ameaçados, no menor das impossibilidades, aí então dispersamos e dispensamos a oportunidade de crescer. A conclusão que, inevitavelmente, podemos chegar é a de que vilão não é a areia do tempo que escorre. Saibam, pois, que a grande opressora nesta história é a nossa intolerância que joga conosco pacientemente diante do tabuleiro.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Presente do Indicativo

Permita-me, caro Andrade, revisitar a sua assertiva e, retocando-a, dizer: amar é verbo no Presente (e do Indicativo, ainda por cima!). Aquele que se arvora a pronunciá-lo no pretérito deveria rever o que sentiu, pois, provavelmente não tem a compreensão exata daquilo pelo qual estava passando.
Quem ama guarda numa espécie de hiato do “agora” a coleção das vivências e descobertas mais significativas que se pode ter. Quem ama aprende a abrir espaços em suas reticentes manias e vícios para não ofender o alvo do amor e busca também, ao mesmo tempo, uma forma de dar explicações para o fechamento das tantas outras possibilidades que contrariam os seus desejos. Para amar, o homem se esmera em ser o que talvez ainda não é, mas crê no vir a se transformar. Quem ama agrega quando lhe convém e tem o dom de espalhar quando não consegue se manter na posição da conquista. O tempo de amar é o jogo que transita entre o laço e o cofre. Ao amar, desfila-se pelas ruas com o sorriso exposto da exibição na mesma medida em que se mantém alerta os sentidos que fazem recuar frente às ameaças ladinas dos olhares alheios. Três, pelo menos, são as chances de amar:
- Ao pensar que não foi amor, esforço-me em construir profundos calabouços para aprisionar o que me enganou.
- Se, distraidamente, no recôndito dos pensamentos me escapa um “amei”, é porque não era amor.
- Mas se amo, cansa-se o vento das tantas vezes em que lhe lanço as palavras.
Então, pelo axioma da ilógica experiência, se amo (no Presente), é porque entendo que amar é verbo de verdade!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Autorretrato

Sei que minhas palavras são mudas aos teus ouvidos. Não por lhes faltar importância, mas porque elas ainda não nasceram, apesar de lutarem comigo. O que tento te dizer é resultado de um eterno produto inacabado que exponho à luz dos olhos dos homens. Nada mais escrevo a não ser o instante da contemplação que se engata no tempo imediatamente antes de existir: é a fecunda realização. Inevitável é não deixar de sentir o incômodo do arrastado movimento da areia que escorre e me angustia. Segue a vida e eu, pressionado pelos espectros que me assombram, tento exorcizá-los no papel antes que eles me calem. Surgem, ora pois, as linhas e os traços paralelos tantas vezes, difusos e confusos outras tantas. Divergência esclarecedora que se direciona a mim. Descubro quem sou.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Onde repousa a alma

Por entre as cúpulas das ermidas, santuários, capelas e igrejas matrizes minh’alma caminhou. A quietude, que recuperava o valor das pedras ali erigidas, reconhecia o esforço de tantos e notava a devoção de muitos. Não havia espaço para qualquer palavra. Todas seriam inúteis.
Mais do que paredes, pinturas e imagens, naqueles templos, repousa a confiança do homem em um amálgama de promessas e gratidão. Por completa e misteriosa sintonia, meus pés, ao cruzarem os portais, conseguiam distinguir o esforço do somatório do tempo das existências.
Persigno-me contrito e deixo que meu coração cresça a cada encontro que independentemente de ter os olhos abertos ou não, faz-me preencher de Deus! Passo a passo, busco perceber os detalhes que abrem meu coração em direção ao indizível mundo da fé.
São bandeiras, abóbadas, átrios, candeeiros e círios. Depositários das esperanças na forma de oferendas que, cautelosamente colocadas, refletem, no dourado dos objetos, as histórias de seus peregrinos. Sinto-me a interseção do palpável e o imaterial das confrarias celestiais que cantam junto aos foles dos órgãos que ressoam em minhas veias. Atravessando os limites da linha que move o universo de experiências e por tamanho reconhecimento da dádiva vivida naqueles dias, não me resta outra atitude a não ser a de dobrar meus joelhos, levantar meu rosto em direção à nave central onde se ergue o madeiro e em oração silenciosa dizer amém!

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Insistente

Desenhada em meu rosto,
Insistes em perpetuar-te
Como se imagem
Fosses de mim.

Mas eu, teimoso que sou,
Reitero o ato de eliminar-te.
Nesta luta de insistentes,
Voltas a te fixar em minha face.

O que te faz brilhar
Não é luz própria.
Lanças mão do espectro da lua
Para que te vejam
E te valorizem mais do que faço.
Tola, desconheces o quanto precisas
De espectadores para que ganhes vida.

Na verdade,
Nada és sem outros olhos.
Não reluzes sem faróis externos,
Nem te manténs por própria vontade.

Não permitirei que te instaures.
És gota e não oceano.
És filete e não caudal.
És lágrima e não minha morte.

Seco-te e sigo adiante.