terça-feira, 26 de junho de 2012

Papel e vento


Sentado sem muito tino e nem destino, deixei-me levar pela brisa que brincava com um despretensioso pedaço de papel. Nada se interpunha entre os dois, fazendo com que trocassem favores: o vento exercia o seu poder de levantar peso, enquanto o papel usufruía da força alheia para voar. Assim, em uma simbiótica relação de aproveitamento, lá iam eles!
Um não se sentia mais usado do que o outro. Não era disputa. Era simplesmente a ocasião. Sábia relação!
Tolos são os papéis ou os ventos que se digladiam ou se exigem mutuamente, chegando ao cúmulo de se apoquentarem. Não desfrutam do tempo, não aproveitam o momento, amofinam-se e se ressentem. Perdem-se e jamais recuperam a chance do deleite.
Já alto vão os entrelaçados em uma inaudível permissão que os faz livre. Não a liberdade mal interpretada de se andar sozinho, mas a sensação interna que os liberta das cobranças. Seguem soltos consigo mesmos. Razão pela qual podem ser felizes. Tornam-se, pouco a pouco, um ponto no céu cada vez tão mais diminuto que chega a desaparecer de minhas retinas.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Anjo e demônio

A rima é pobre, mas o sentido é nobre!


Disfarça ou mente
quem diabo não se sente.
Aureola que nem sempre
se mantém reluzente.

São pouco inteligentes
aqueles que desejam ausentes
firmarem-se como inteligentes
na falácia das correntes.

Ao contrário, revelo-me valente
ao reconhecer humildemente
que não só em mim querubim presente
vive também o Mal insistente.

Não há discurso convincente
que me ponham na mente
que existam homens eterna e somente
benéficos, presentes e prudentes.

Mais vale a verdade que movimente
as luzes e sombras intermitentes
do que sou absolutamente
Anjo e demônio ambivalente.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Paisagens e sensações


Houve um acordo tácito entre mim e o tempo nesses dias passados. A trégua teve sua razão. Além de merecê-la, talvez eu sucumbisse, caso não estabelecêssemos o acordo. Paramos os ponteiros do relógio (ou ao menos fizemos com que eles andassem mais lentamente). Tanto foi que, em alguns momentos, não sabia nem o dia e nem a hora em que me encontrava.
Aceitas as condições que favoreceriam a ambos, caminhei como peregrino do acaso. Juntei-me a outros três andarilhos naquelas paragens, ganhamos liberdade!
Pisando estradas e picadas recoberta de cristais, sentimo-nos enormes como quem sobrevoa acima das estrelas. Vimos poeira cósmica, ganhamos terrenos e, entre rochas lunares, mergulhamos em poços translúcidos. Cansamos o cansaço. Vencemo-lo!
Embrenhando-nos em nossa própria capacidade de superar, recuperamos nossas forças em tonéis de nascentes aconchegantes. Ali suspiramos e nos deixamo ficar. Fugiu-nos completamente a noção da sequência dos segundos, minutos e horas. Tais tiranos foram embora!
Gargalhamos não pela obrigação da simpatia, mas o que sim em nos jazia era a pura simpatia de sermos nós mesmos. Potentes, frágeis, eloquentes, ousados ou tementes, éramos, na verdade, autênticos!
Florestas de crenças suprarreais, céus coalhados de histórias (ouvimos muitas), riachos e cascatas que geravam melodias enebriantes (por elas fomos envolvidos). Permitimo-nos este presente.
Olfato aguçado, distinguimos perfumes e incensos. Olhares atentos, vimos detalhes inesperados e vida pulsante. Paladar avivado, saboreamos a simplicidade e comemos manjares. Tato alerta, tocamos formas e percebemos diferentes texturas. Ouvidos abertos, distinguimos ruídos e escutamos o som do mundo. Um espetáculo sensorial para além da explicação.
Eis pois, aqui, nobres e valorosas almas para sempre!
Terminado o contrato, voltou a ampulheta a nos cobrar o compromisso do tempo! Entretanto, não nos restam dúvidas: valeu a pena!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Mesclagem


Trupiquei no emaranhado das linhas do tempo, não por distraído ou desatento. Mesmo não querendo ser enredado, acabei caindo nas tramas daquele novelo multicor. P'ra me livrar tentei de tudo, soprei o embolado tal qual me ensinara, certa vez, minha tia-avó. De nada adiantou, estava trucando. Busquei entender a lógica antes de empreender a tarefa de separar cada fio. Foi em vão! Logicidade, se havia, não era p'ro meu entendimento.
Parei de relutar p'ra não cansar. E sabe que começou a acontecer o que eu temia? Acabei me acostumando. “É a convivência!” Alguns diziam. Outros, mais sarcásticos e derrotistas, bradavam “Tem jeito não. Abre mão de fazer força! Deixa de ser bobo (p'ra não dizer otário)”
Ali, aboletado, quase estatelado, no chão. As linhas passavam por cima de mim da forma como elas queriam e sabiam. Não estavam nem aí p'ra mim. Nem permissão me pediam. “Com licença” então, nem pensar!
Recuperando o fôlego da peleja, iniciei meu processo de indiferença para com elas, até que, refeito do susto, apoiando-me em mim mesmo, ergui-me e de soslaio controlava qualquer movimento que aquele bobolô pudesse ter na tentativa de me derrubar novamente. Pé-ante-pé, levantei-me. Arriscava um passo, outro, mais outro e, ainda, mais outro até que, numa distância considerada razoável, bati em retirada.
Tempo,tempo tempo, vocês podem até me pegar n'outra esquina. Mas que vão ter trabalho, lá isso eu garanto!!