O que impressiona é o enquadramento da cena. Só se observa – ou pelo menos só se difunde a imagem – o espelho d'água, o desenho do rosto alvo tremulando nas ondulações provocadas pelo vento que por ali passava e debruçado à beira do rio aquele corpo bem feito de musculatura e textura. O silêncio também colabora com o tema e quase impede de questionar os motivos que levam o imberbe a estar paralisado no ato da admiração. Está inebriado pelo que vê? Encanta-se com a própria face reproduzida? Provavelmente sim. Mas não esta não é a razão absoluta da questão. Os olhos pouco curiosos não percebem um entorno mais amplo. A espreitar, do alto de uma copada árvore, uma sombra se delineia. Mais corpulento, porém não menos definido e alvo, a figura aponta a sua seta em direção ao jovem tombado às margens das águas.
Eis o encaminhamento da explicação plausível: Ele fora atingido pela poção do apaixonamento e por desconhecimento ou inocência não soube livrar-se de si mesmo e cristalizou a paisagem. Parou no tempo de tanto se olhar. Fato que desestabiliza o astuto observador e força-o a lançar a segunda flecha. O toque pouco suave e repentino da pontiaguda prata embebida no veneno do amor fez com que o autoadmirador assustadiço pulasse e perdendo o domínio do próprio corpo, rompesse a inércia e caísse no curso da fonte de seu enfeitiçamento. A dor no coração de Eros se traduziu no traço de uma única lágrima em seu rosto que ao tocar o solo, molhou a terra onde havia nascido a flor de Narciso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário