terça-feira, 26 de julho de 2011

Bicicleta

Sentado no meio-fio, descansando de caminhar, vi passar por mim, numa velocidade considerável, uma bicicleta. O mais curioso é que não consegui me deter nem no condutor e muito menos nos detalhes do veículo, nem cor, nem modelo, nada! A razão não foi a rapidez do deslocamento. O que me desviou a atenção da percepção do todo foram as redondas formas que engendram o movimento. Mais especificamente, uma das varetas de aço escovado que compõe o aro. Não me aventuraria a descobrir o já descoberto – a roda. Entretanto, lancei-me no delírio de enlaçar a vida naquele objeto. E, caso me permita divagar, creio que consigo estabelecer os pontos de interseção entre a existência e a haste.

Se bem observarmos, repetidamente passamos pelos mesmos sinais enquanto vivemos. Como a órbita do planeta que traça o seu percurso e volta ao ponto de partida, experimentamos o gozo e o sofrimento e a cada completamento do trajeto reconhecemos e aprimoramos tais sensações.

Assim, o pneu da bicicleta fecha, de tempos em tempos, um ciclo. Quanto dura a volta total? Tudo varia a partir do ritmo da pedalada e de o quanto estamos ainda com fôlego para empreender mais esforço. Vai dizer que não se parece à vida? Qual a periodicidade de retomarmos os fatos e as experiências? As coisas não estabelecem uma estrita dependência de fatores como disposição enfrentar? Não estamos a todo instante revendo se vale à pena correr mais ou diminuir a velocidade?

O certo, mas o certo mesmo, é que de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, a vareta cromada da nossa vida volta a passar pelo mesmo ponto que tangencia o chão e no impulso de continuar existindo, segue o seu curso para fechar daqui a pouco mais uma volta.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Pecados e inocência

Sabe quando você se arrepende de algo que depositou na conta da inocência achando que era, no mínimo, inofensivo, mas que se transforma em rota de colisão e quando se dá por si, já entornou o caldo? Pois então. O que fazer? Justificar os atos que você continua achando que são ínfimos e que não iriam dar movimento algum em nenhuma parte da sua vida? Ou reconhecer que houve, apesar da visão sem maldade, um erro da sua parte?
Na atual conjuntura, em mim não resta a menor dúvida: devo dizer que errei não tomando como referência atos que não cometi, mas errei por me esquecer de que vivendo e convivendo somos parte de um conjunto.
Razão pela qual abri mão de lhes escrever hoje outro texto, motivado por uma observação corriqueira, para dar destaque às reflexões dos erros que cometemos mesmo sem querer.
Fui solapado pela minha inocência e insegurança e acabei resvalando na tolice. Na tolice do não dito, na mal focada luz do apagado no tempo, na sombra das minhas frustrações. Permito-me, agora, extravasar essa agonia, não para justificar os dois adjetivos postados (inocência e insegurança), mas para meditar, através do ofício do discurso revelado, sobre as besteiras que fazemos sem necessidade. Réu confesso não de transgressões, mas de omissões, entendo que ao abrir uma lacuna de silêncio podemos criar “monstros” inexistentes. E a pergunta que permanece é “quem os aniquilará?”
Desculpo-me publicamente pela minha insensatez que pode matar tanto quanto a estupidez. Ambas, não só pela rima, mas pelas consequências, são candidatas a agravar belos espetáculos de vida. E para não correr este risco, lanço-me na tarefa de dizer “que besteira eu fiz (ainda que não a julgando como tal) e que quase pôs a ruir o valor do que vivo. Por onde anda a lucidez (mais uma rima pobre) da segurança e da certeza da verdade que em nós habita? Salvem-me, ó palavras que engendro na mente e pulverizo no som da voz. Salvem-me de minhas escorregadelas a fim de que eu seja absolvido a partir de mim mesmo, sem martírios e sem pecados.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Construção

No vai e vem entre a linha d'água que desenha o chão num tom mais escuro e a luz que se reflete mais clara, na areia, via-se a sombra das pernas curtas e apressadas que iam rumo à parafernália de plásticos, cores e formas que circundavam o fosso. Abrindo as mãos, despejava a argamassa tão molhada que ao invés de cair, escorria. Na mesma pressa, o caminho de volta trazia a missão de que não poderia demorar buscando mais material para a construção. Muitas tentativas. Muitas delas frustradas, pois gastando o tempo da trajetória, o sol, cumprindo sua função, convertia tudo em bloco ressecado de terra fina.

Mas o menino era persistente. Continuava no empreendimento.


Com uma gigantesca dificuldade iam-se levantando paredes e pilastras, preparando torres e bastiões. Por vezes, a ameaça de um vento natural que passava, outras, o sopro gerado por afoitos e distraídos que giravam por ali, transformavam o minúsculo corpo em obstáculo e segurança.


Exaurido da função, quis dar melhores resultados ao trabalho e deixou que lâmpada das ideias se acendesse. Por que não utilizar um adjuntório para garantir que as intempéries não voltassem a ser um infortúnio?


Fuçando aqui e acolá, encontrou num terreno meio-baldio um velho saco pardo com o acinzentado pó mágico. Recolheu o que lhe cabia nas mãos e triunfante aproximou-se da sua obra. Polvilhou o que já erguido estava e se dirigiu uma vez mais à orla. Trazia agora a empolgação na corrida. Todos os problemas de manutenção do trabalho estavam garantidos. Espargiu o líquido por cima de tudo que estava coberto de cinzas e esperou. Ufa! Era descasar e observar com admiração a perpetuação da labuta.


Como sempre, o astro-rei não tardou a deferir sua radiação e calor, calcificando ainda mais o amontoado esturricado de areia. O criador, ao observar a sua criação, com o peito estufado de quem diz “venci”, nota alguns pequenos ajustes que deveriam ser feitos. Sentou-se defronte a ponte que abaixada unia o portão de entrada à estrada dos forasteiros e chorou. Percebeu que nem sempre o melhor caminho é perpetuar os castelos que se constroem, pois mais adiante, em percebendo a necessidade de novas adaptações, não resta outra coisa a fazer a não ser derrubar tudo (com mais esforço e força do que se fosse somente areia) e começar outra vez.


Algumas imortalizações são como lápides: servem para somente informar que ali jazem os sonhos.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Trigêmeos

Havia chegado a hora. Um corre-corre, diríamos “normal” em momentos como aquele, tantas vezes vivido. Entravam, na sala de parto, os envolvidos. O que não poderiam supor é que, antes mesmo de começarem os procedimentos, quando todos se deram conta da situação, o primeiro já tinha nascido. “Foi muito rápido”, diziam. “Quando percebemos já tinha acontecido”, retrucavam outros. A verdade é que nasceu!
Mas não acaba aí a história! Há mais por vir. A respiração ritmada impõe o tom dos trabalhos. Lá vem mais um... todos preparados. Dentro dos conformes, a sucessão dos fatos flui na tranquilidade do esperado. É possível ter certeza do que se faz ali e, permitindo-se aproveitar cada segundo daquele milagre, o segundo surge. Limpam-no, colocando-o ao lado da mãe para eternizar o instante na foto com flash.
Sabia-se, de antemão, que o serviço não acabara. Todos na expectativa e nada... Esperavam, esperavam, esperavam... A angústia assaltava a uns, o temor se interpunha entre outros. Uns poucos (mas poucos mesmo) usavam da paciência. Sussurros para cá, movimentos para lá. Olhos atentos para ver a decisão dos responsáveis. Um encontro de afoitos, nervosos, tensos, desatentos, despreocupados. Uma sucessão de pessoas no ambiente a aguardar que viesse o último “rebento”. Quando não tinha mais jeito, eis que surge.
Agora, a mãe, a senhora Vida, vai bem. E coube ao pai, o senhor Tempo, a incumbência de registrar os filhos. O primeiro chamou-se Passado, Presente o segundo e ao terceiro deu-lhe o nome de Futuro.