segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Travessia


Na sala redonda, clara e limpa, nenhum quadro, nenhum móvel. Nada além das portas. Não restava outra coisa a fazer a não ser segurar firmemente a maçaneta de uma delas e seguir. Sem dar crédito à escolha, lançou-se o homem à tarefa e cruzando o portal se foi.
Do outro lado, o pó levantado durou um tempo até que, voltando a cair no chão, descortinou a paisagem. Era pedregosa, árida e quente. As construções de rochas firmes deixavam antever nas frestas as samambaias que nasciam e os musgos do abandono. O caminho pouco regular, coberto de barro era lama de pouca segurança para andar. Viu ao redor os transeuntes apressados que iam todos na mesma direção. Roupas de tecidos crus, soltas e pouco cuidadas. Acompanhou a multidão e cruzando os portões de imensas toras de madeira, deparou-se com uma arena central oval onde os gladiadores lutavam até a morte. Dando-se conta do que lhe sucedera ao atravessar aquela porta da sala vazia, viu-se entre o esfacelamento da linha temporal e o absurdo do momento. Assustado, correu rapidamente para tentar escapar de onde se metera, e percorreu o caminho contrário à gritaria e ao alvoroço dos que nas arquibancadas já pediam a morte dos lutadores. Ofegante e desesperado, não havia solução para a fronteira rompida e, pela viela, viu entreaberta uma rústica porta de casebre. Jogou-se sem pedir licença.
Rosto no chão, susto no coração. Ergueu-se até que a vista se acostumasse novamente. No saguão, pilastras lisas e brilhantes, chão encerado e reluzente, refletia as sombras das cortinas de fino tecido que esvoaçavam em razão do vento. Mas como um casebre era tão luxuoso? O que escondia quem ali habitava? Notou que os homens e as mulheres daquela ocasião eram mais amorenados e de corpos mais talhados. Encostada na parede a estátua negra do grande gato denunciava o culto a Bastet. Mais uma vez, atordoou-se por haver transposto, em segundos, séculos e continentes. O cheiro âmbar no ar, além de mais inebriar, fazia crer que a verdade se distanciara dele. Seguindo pelo amplo corredor, onde as pinturas contavam histórias, avistou outro vão em sua forma arqueada coberto pela transparência de uma espécie de voal branco.
Sem saída outra, já acelerava o coração com tanto medo do que encontraria do outro lado que chegou de olhos fechados. Entretanto, pode perceber que o frio da brisa a tocar-lhe o rosto era quase molhado. Timidamente, entreabrindo a visão, deparou-se com uma imensa floresta dos mais intensos e diferentes tons de verdes, junto a uma queda d'água colossal. Os ruídos eram indecifráveis, eram muitos e em vários tons e decibéis. Estava novamente longe, muito longe do que poderia imaginar ser a sua própria existência. Sentou-se, ainda tonto das travessias, e dormiu.

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