terça-feira, 18 de dezembro de 2012
tempo de uso e tempo usado
A
questão não é 'há quanto tempo” e sim “o quanto do tempo”.
Pois bem, e antes mesmo que me acusem de complicado ou complexo (na
verdade são coisas diferentes), vou logo explicando: O que me afoba
e me angustia não é o tempo que já transcorreu, não significa nem
mesmo, na contagem, o rastro longo ou curto deixado como sinais de
velhice. O que me sufoca é a busca da melhor forma de aproveitar o tempo de que disponho!
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Libertas inaestimabilis res est
Se,
um dia, às minhas palavras lhe impuserem deixar de ser sugestão.
Se, no futuro, colocarem-nas contra a parede da razão. Afirmo de
antemão: Deixarei que a pena descanse em paz, pois que outra
serventia teria para mim se cerceassem a condição de
toda coisa existente ser criada e deixá-la
no entre-claros dos meus anseios?
Não
se trata da apologia do insondável e muito menos a valorização do
mistério implacável. O pleito reside na necessidade vital de manter
a possibilidade dos diversos diálogos entre mim e todos os demais.
Não há uma, nem duas. Quero-as todas as chances de recriação.
Imagine,
atarefado companheiro, se me obrigassem a dizer no viés da
compreensão alheia tudo o que em mim salteia? Criar-se-iam dilemas
retumbantes entre o que penso ser para o outro a visão e o que
entendo eu de mundo. Olha o frejo formado!
Em
poucas e sorrateiras palavras, digo não aos que exigem de mim
clareza, pois resta a questão: Claro para quem, meu irmão?
terça-feira, 27 de novembro de 2012
Complexamente simples
Quando a felicidade lhe surpreender
sem que você entenda os motivos, não busque as causas para não
afugentar a espontaneidade e a liberdade de “ser por ser”. Quando
a dor ou a tristeza lhe visitarem sem aparente explicação, não
tente entendê-las e não especule sobre nada para que elas se
esvaiam e desapareçam da mesma forma como vieram ou surgiram. Quando
o tempo lhe sufocar, não se cobre cumpri-lo mais do que é
humanamente possível ser feito, porque é entre as paredes do limite
do tempo que é feita a vida. Quando o vazio das ações parecer
preencher o seu dia, não coloque no suposto espaço oco o que quer
que seja, pois mais a frente você poderá notar que aquele lugar
estava sendo reservado para algo mais importante.
Em suma, não são as elucubrações
que resolvem nossos incômodos, até porque muitos deles são
sensações desconhecidas que nos colocam na exigência das
explicações.
E quem foi que disse que para tudo
devemos ter lógica, causas ou consequências visíveis? Viver é
tarefa tão simples que se torna complexo demais aceitar.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Hoje
Você
talvez não saiba exatamente o que é Kali
Yuga. Pode até desconhecer quantos
anos cabem nessa contagem de tempo que mede as Eras do calendário
hindu. Mas, certamente você reconhece os tempos difíceis e
complicados que estamos vivendo. De quantas pessoas você já ouviu a
frase “Nossa! Este ano a coisa 'tá' braba!”?
Mas saiba que isto não é uma exclusividade sua e nem o único
acontecimento na humanidade. Conseguiríamos imaginar um homem do
medievo tecendo outro comentário que não fosse esse? E quando
estouraram as Guerras? A afirmativa foi outra?
Em poucas palavras, a dificuldade de viver está no simples fato de
estar vivendo. Pode parecer uma assertiva tola, mas absolutamente
verdadeira.
Tal reflexão não tira o entendimento de que este ano 'tá' brabo
mesmo!
Anunciado há algum tempo por diversas religiões e “revelações”
extrassensoriais, o mundo passa por grave crise de caráter que
esbarra em questões sociais mais amplas. Aquilo que nossos irmãos
orientais chamam de “karma coletivo” e que vimos representar
metafórica ou simbolicamente nas cenas do dilúvio, em Sodoma e
Gomorra, na Batalha dos Pandavas, e tantas outras histórias contadas
de geração em geração.
O fato é que a tensão está no ar. Somos desfiados constantemente e
exigem de nós (quem exige?) um jogo de cintura que se renova todas
as vezes em que resolvemos alguma pendência. Quando o ar que
exalamos de “Ufa, venci” acaba, parece que imediatamente a
respiração seguinte simboliza “caraca, de novo, lá vou eu!!!!!!”
Nossa!!!! Quantas cabeças estão balançando agora concordando com
meus cometários! Pelo menos não estou tão estratosférico assim
nos meus devaneios. Estou?
A pergunta que se segue à concordância das observações deve estar
sendo: “E aí? O que fazer?” Desculpem a “tortez” da
resposta, mas é um simples viver. E durmamos sem um barulho desses!
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Rabiscos e rascunhos
Há momentos em que confundo rabiscos com rascunhos, mas um outro
tantão de vezes o que faço é intencional mesmo e não estou
iludido entre o que deliro e o que me faz tremer. Coisas diferentes
são essas sensações. Tão díspares que, ao menor sinal de
interseção, eu paro e espero que as pretensas confusões se
amainem. Elas, por si só, seguem seus rumos.
Os ensaios minimizam os meus riscos, mas não conseguem me proteger
na totalidade, pois não há como contar com o inesperado que, do
nada, surge.
Entretanto, em determinadas situações, o que faço, na
verdade, é permitir o exercício do inconsciente para transferir
para o alvo as questões insondáveis da alma. Nem são abismais, e
muito menos rasteiras, as minhas divagações. Elas não entram no
escopo da profundidade. Eu não as julgo por isso. Coloco-as na
avaliação, sim, quando devem atender as minhas necessidades mais
prementes. Se de forma rápida, alongada, funda ou rasa, não me
importa, desde que cumpram com os seus papéis de seladoras dos
vácuos que em mim percebo.
Do que falo? Aff! O que estou tentando dizer (será que consigo?) é
que no transcurso das horas eu busco estar vivo!
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Parto
Grávido do mundo, a espera de um
parto mais amplo em direção ao ilimitado momento de renascer. Pobre dos
encarcerados na visão pequena de que não há nada mais além do que os olhos podem
ver. Mesmo assim, seguem eles, a trancos e barrancos, a jornada. A diferença
está entre sofrer os dias da incerteza ou se manter convicto de que haverá mais
luz do que o breu do pessimismo. Opto pela segunda chance e disto não abro mão.
Existirão seguidores? Oxalá que
sim! Entretanto, ainda que não veja no rastro do caminho outras pegadas, não me
limitarei nas amarras do tempo e me prepararei para a hora da explosão de vida!
São tantas as oportunidades que
os homens vendados não conseguem captar. Nem por isso elas deixam de estar à
disposição de todos. Basta lançar para o alto a mão da vontade e capturar o seu
quinhão.
Talvez alguns estejam se perguntando:
“Mas que delírio!” e eu responderei: “De que mais se faz a existência se não
houver espaço para transbordar a linearidade dos acontecimentos? Louco sim, da sanidade de viver”
Se isto não fosse, não estaria
grávido do mundo a ponto de parir a bela vivência de mim mesmo na felicidade de
estar aqui. O tempo que não passa é o presente que não se esgota. O inexorável
ponteiro que aflige é o passado que arrasta as dores e a ilusão do
aprisionamento do espaço é o futuro assustador dos que nem para trás e muito
menos no agora se permitem ser. Não é o meu caso!
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Declaração
Amo as palavras! E o prazer que elas me proporcionam vem da íntima
relação que estabelecemos desde os meus primeiros balbucios, onde
vi nascerem as significações que aproximaram as pessoas.
Representações incompreensíveis para a grande maioria, mas que
ganhavam corpo dentro do seio familiar. Aí teve início essa
história de amor.
Adoro-as devido à mágica que delas emerge quando se juntam,
separam-se e tornam a se amalgamar numa incontável possibilidade de
descreverem a vida. Rompem as barreiras do tempo e esfacelam o
espaço, ocupam lugares e retorcem ponteiros.
Admiro-as pelo valor que dão aos tons do mundo. Contam e recontam as
histórias, mudam os rumos, perdoam as derrotas. São a vitória dos
que dela fazem bom uso e o algoz dos tropeçantes usuários.
Como disse o poeta – e em minhas mal-traçadas interpretações,
reinvento: as palavras ou dão vida, ou podem matar.
Mergulho entre as encantadoras vozes que me levam a “mares nunca
d'antes navegados” num bailado entre o profundo e o superficial
que jamais me afoga. Roçamos nossos corpos, vivemos nossas emoções,
sangramos nossas dores e rimos das tolices mais banais. Amo as
palavras que conheci e já quero as que nunca vi. Sem conhecer
divórcio entre nós, será eterno pois, ainda que chama, jamais se
extinguirá.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Da série "Pelas ruas" - epílogo inconcluso
Pelo campo aberto das censuras internas, ia o andarilho (eu mesmo
quantas vezes desconhecido de mim mesmo) a me perguntar: Se não me
re-invento, quem, por Deus, nessa Terra engolfada pela falta de tempo
entre os homens poderá fazê-lo por mim? Nem “Chapolin Colorado”
conseguiria tal façanha.
Esforço-me, ainda que por vezes em vão. Outras tantas, amigos e
irmãos, poucos prestam atenção. Culpa deles? Não! Certamente
porque minha lente deve ficar embaçada e, na pressa, acabo por não
reorientá-la na tarefa de limpar a imagem. Perco, logo pois, a
oportunidade de que eles percebam meu empenho em dar nova roupagem às
atitudes pétreas.
Então, por que, raios, fico cá eu a lhes exigir que me compreendam?
Sinto muito... perdoem-me!
Nem pretendo a promessa da melhora. Até porque, se não consigo
cumprir com o me refazer, como poderia assumir o compromisso público
de demostração clara e efetiva das minhas adaptações e adequações
ao tempo presente? Seria criar expectativas naqueles que me circundam
e não seria justo.
Enquanto isso, vou levando, vivendo, revivendo, torcendo para
entender e acertar. Com destino, mas sem uma obstinação que beira
(ou roça) quase a cegueira dos infames e presunçosos.
O que esperar de mim? Bom... quem sabe você me encontra por ali, lá
ou acolá, eu mesmo a me buscar, menos angustiado pelo causticante
calor das areias que enchem a minha ampulheta. Boa sorte para você.
Boa sorte para todos nós!
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Dia N
Certa vez ouvi de alguém que gosto
muito que “hoje é dia de nada”. Crendo que é o melhor que
podemos fazer, hoje sendo dia de nada me sinto desobrigado a
convenções e cumprimento de normas socialmente impostas. Deparo-me
livre para poder deixar que o dia transcorra sem a pressão das
horas, sem o engolfamento do tempo, sem o sufoco da correria dos
atalhos.
Isto posto, hoje é dia de me dedicar
a mim e revisitar minhas próprias entranhas. Não será a
oportunidade de dizer ou explicar, justificar ou argumentar.
Definitivamente hoje não darei voltas na minha cabeça buscando
palavras para não ofender, ideias para convencer e não amarrarei a
cara na contrariedade do que possam querem me exigir. Não desistirei
pesarosamente dos compromissos e muito menos abdicarei de qualquer
convite (dos mais prazerosos aos mais enfadonhos), até porque hoje
não os terei.
Hoje é dia de nada. Não me culparei
por nada fazer, afinal de contas, não estou dizendo que hoje é dia
de fazer nada. Digo sim que hoje é dia de nada. Nada do que
cotidianamente me assola, me oprime ou me deixa tonto por “ter
que”. Se essa sensação se chama liberdade eu não sei, mas que me
soa como desanuviação e me proporciona um dia de tranquilidade, lá
isso é verdade.
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Da série "Pelas ruas" - 3
Longe de querer ser original (aliás, o que é original, caro
Platão?), mas por ser extremamente útil, deparei-me com uma longa
rua, limpa e reluzente em suas vitrines polidas de dourado.
Temperatura amena e gente tranquila caminhando. Cada qual com o seu
tempo, com seu mundo. Tantos mundos juntos, algumas vezes se
esbarrando, mas tão separados e distantes.
Havendo chamado a minha atenção essa disparidade toda, notei, sei
lá se por acaso ou envergonhado, o maltrapilho que numa beirada de
um portal bem esculpido em pedra deixava-se estar.
Mendigava? Talvez! Mas o que? Não era o aspecto que afastava os
transeuntes, pensava eu. Era, na verdade, o peso das próprias
circunstâncias que os fazia cegos. Aquele homem acocorado era
invisível!
Deixando que meus “alfarrábios” mentais me lembrassem a lição
secular de que todos estamos ancorados no mesmo esteio da criação e
que sem prestarmos atenção podemos estar sendo testados na
observância desse ensinamento, retirei do bolso a pouca nota – que
provavelmente valor que compraria uma madura manga – coloquei-a naquelas mãos
endurecidas pelos tempo e segui o meu rumo.
Ainda insatisfeito pela perplexidade do alijamento a que todos
submetemos a cada um, voltei meu corpo em 180 graus para olhá-lo
mais uma vez e vi que ali ele não estava e haviam brotado em seu
lugar as alvíssimas mil pétalas brancas que são o privilégio de
assento de poucos escolhidos e merecedores no mundo.
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Da série "Pelas ruas" - 2
Um sério defeito que tenho (dos
inúmeros que não me atrevo a listar) é estar mais ensimesmado do que
de olho no mundo. E assim foi... caminhando “cá comigo, meus
pensamentos” quando, ao dobrar a esquina, num movimento mecânico,
“trupiquei” com a afoita e rápida guria que no susto do supetão
só disse “uiu!”
Ela nem ia muito parar para me dar trela e nem ao menos satisfação
do tropeço. E quase a espera da famosa frase “Pô, tio, não olha
pra onde anda, não?”, aguardei no vácuo do silêncio incômodo
nenhuma resposta ou retrucada.
Era ela a Menina-Surpresa (seu nome) que nos momentos mais inesperado
aparece e “buuuuuu” nos assusta. E o coração acelera não por
ser feia ou desforme.... ao contrário... pode até mesmo ser bela e
jovem. O que acontece é que somos retirados da zona de conforto
assim de golpe. Não é a Surpresa que nos assalta, somos nós mais
distraídos ou acostumados com o entorno linear que esquecemos
de, avant-gard, estar mais a espera de que as situações
mudem. Refeito, aprumei-me e segui o caminho.
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Da série "Pelas ruas" - 1
E lá vinha eu, descendo a ladeira, nem tão íngreme assim, daqueles
dias em que você acorda e, meio sem gás, pensa que o melhor teria
sido não levantar. Olhar nem cabisbaixo poderíamos dizer, pois os
olhos não estavam direcionados... perdidos, talvez, na confiança de
se ensimesmar. Quando, pelo golpe fortuito do susto, tropecei na
jovem senhora que, na direção oposta, vinha tranquila e segura de
si.
“Ops, desculpe” foi o mínimo, com o máximo
de esforço, que saiu em som. A contra-resposta, suave e segura, não
longe do esperado “bom dia”, fez-me parar e, reconhecendo a
vergonha do tranco, romper a barreira do meu cansaço. Iniciamos a
conversa:
- Olá.. Vejo que o senhor vai por aí, ir por indo...
- De verdade, hoje nem indo mesmo vou. Se deslocamento é ir, só por isso estou indo.
- Prazer. Paciência meu nome. Eu que encontro tantos desencontros, que esbarro em diversos colididos do próprio ânimo, sei o que me diz e o quanto isso lhe pesa.
E lá se foi ela, ladeira acima, deixando-me com a pulga atrás da
orelha: É... quando o homem pensa que não será retirado da sua
zona de inércia, eis que lhe atropela a sentinela das vivências
escondidas nos mais recônditos porões de você mesmo! Paciência!
terça-feira, 4 de setembro de 2012
Prognósticos meteorológicos
Há os que olham um dia encoberto como
sendo a tristeza das possibilidades. Mantêm-se tão fechados, como o
próprio entorno, a anunciar algum iminente temporal. Assustam os que
observam, criam tensões ao redor, provocam movimentos de busca de
proteção. Cansam-se e fazem cansar. Enfim, significam somente o
prenúncio do cabisbaixo tempo. Outros, por sua vez, nem mais
otimistas, nem menos derrotistas, entendem que, para além das
amontoadas nuvens, existe uma imensidão celeste, intocada e clara.
Aferram-se a esta certeza e espalham a crença na espera de que o pardacento dia não persistirá. Nada permanece da mesma forma ad
aeternun.
Escolher
o lado em que se passa a frequentar dependerá exclusivamente do
“tempo” que dentro de si se reconhece. Algumas vezes, deixando-se
levar pelo maremoto dos “nublados”, outras tantas filiando-se aos
adeptos do céu puramente azul.
Sem
haver certos ou errados, tudo não passa de passos a serem dados em
uma direção ou em outra: Se o que persiste no caminheiro é a
dúvida, provavelmente se antevê o lado que selecionou (céu cinzento). Por sua vez,
se na trajetória se escolhe a passada mais firme, do mesmo modo,
antecipa-se a resposta (céu aberto).
terça-feira, 28 de agosto de 2012
E se...
Vasculhando a vida, e isso é coisa de enxerido mesmo, surpreendi-me
com as peripécias dos meus dias e notei, despretensiosamente, que
não tenho nada do que me arrepender. Mas acalmem-se. Não disse que
só fiz coisas certas. A conclusão a qual cheguei é a de que, no
final das contas, todos os caminhos adotados, as escolhas feitas, as
emoções vividas e tudo o mais tiveram serventia e valia (e
continuam tendo).
Confesso que, no início das divagações, achei meio estranha
assertiva de que de nada me arrependo. Entretanto, ainda no viés das
especulações, brinquei de averiguar através da famosa brincadeira
“o que teria sido se …” e logo percebi que:
Se eu não tivesse feito besteira, não tinha conhecido gente
maravilhosa e importante no período pós-traumático.
Se eu não tivesse errado o preenchimento do cartão do vestibular,
não teria a satisfação profissional que tenho.
Se não tivesse me incomodado com alguns conceitos e dogmas, não
estaria na esteira da minhas busca do autoconhecimento.
Se não tivesse brigado com algumas pessoas, não descobriria o
quanto são importantes para mim.
Se não tivesse exagerado na dose do crescimento, não teria
mergulhado mais fundo.
Se não tivesse escutado a harmonia das canções, não teria aguçado
o feeling para os acordes do mundo.
Se não tivesse tropeçado e me enganado em alguns sentimentos,
julgando serem eles os mais puros, não seria eu a escrever este
texto.
Enfim... Dentro de tantas conjecturas, o mais importante é que não
houve espaço para que eu encontrasse uma razão de remorso pelos
dias que até hoje eu vivi.
terça-feira, 21 de agosto de 2012
AUTORES
Torno pública a notícia aos que me leem, que não sou o único
responsável pelo que de minha pena nasce. Se o que dou vida é
singelo, certamente provém das vozes dos céus que cultivo.
Entretanto, em parecendo nefasto o que expresso, advém do que
compartilho com o breu que em mim também habita.
Sim! A mais pura verdade. Uma vez humano, vivem em mim luz e sombra,
que longe de serem culpadas da co-autoria de minhas linhas, são o
respaldo daquilo que sou. E, nas bifurcações que me angustiam, elas
não se anulam. Ao contrário, complementam-se denotando de forma
mais objetiva ainda a configuração de mim mesmo.
Eis que aqui
estou, vitral das cores quentes e frias, primárias, secundárias e
tantas outras vezes terciárias (o cúmulo – e acúmulo – das
misturas). Mosaico este que a uma certa distância permite ao
observador distinguir o desenho que de perto, bem de pertinho, é
quase indecifrável. Ainda bem que é “quase”. O que revela,
então, a possibilidade de interpretação. Levará tempo, não resta
dúvida. Escoará mais e mais areia nessa ampulheta da vida, mas
haverá sempre a tentativa de me entender. Sigo!
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Suspensão
Dado a termos baixos acessos (quase nenhum) nas últimas semanas, ficam suspensos os textos.
terça-feira, 10 de julho de 2012
Revoada
Olhando aquela dourada pequena jaula, viam-se amuados – ou talvez
amontoados – os sentimentos. De quando em vez saltava um mais
afoito para exercitar as asas ou mesmo ceder espaço para que outro
pudesse espichar as suas.
A menininha, apiedando-se dos aprisionados, engendrava um plano para
dar fim àquele sofrimento.
Sorrateiramente aproximou-se e levantando a tranca deixou entreaberta
a portinhola.
Bateram em revoada. Cada um dos sentimentos que passava rumo à
liberdade dava uma paradinha na abertura, olhava pra um lado, olhava
pro outro, tentava entender qual a melhor direção e partia. Foi uma
enxurrada de atropelos. Cada um dos ex-detentos queria o mais rápido
possível a nova ambientação, mais espaçosa e mais instigante.
O que lhes espera lá fora ninguém poderia ter certeza e a única
maneira de saber era lançando-se à empreitada. Haveria um tempo de
readaptação. Deveriam contar com isso para não acharem que esse
“outro mundo” não era o mais adequado ou mais assustador. A
verdade é que toda nova experiência requer cautela. Entretanto,
salutar dizer que se esquivar, voluntariamente, de uma chance é
acovardar-se. Não estamos falando das inconsequências tolas dos
arvorados. Referimo-nos, aqui, sobre a capacidade de se auto-medir e
gerenciar o inusitado como forma libertadora dos marasmos habituais e
cansativos.
É tempo de buscar dar mais amplitude (e amplidão), mesmo porque só
sabe o seu limite quem se permite entender. Bom exercício este, não?
Você se inscreveria nessa tarefa?
terça-feira, 3 de julho de 2012
Guru Purnima
Rasgavam a escuridão da noite as
luzes das estrelas que, serpenteando o céu, abriam caminho para que
se elevasse, imponente, a luz cheia. Sentado à beira do riacho, o
menino Ganapati movia em círculos, com seu pequeno dedo, as águas
cintilantes. A mirada fixa no movimento deixavam entrever, no brilho
dos olhos, que era noite especial.
O coração havia descoberto que a paz
ali sempre fizera morada e que o cansaço das muitas caminhadas no
intento de encontrá-la teve fim quando reconheceu em si mesmo o
oásis da vida.
Naquele intervalo dos afazeres, os
lampejos das empreitadas iam e vinham de sua mente. Rememorava a
quantidade de vezes em que suplicou à existência para que ela lhe
mostrasse o caminho. “Onde mais posso buscar?” Parecia um deserto
sob cálida temperatura ou um estéril terreno o movimento de atingir
a imorredoura sensação da eternidade. Nem mesmo a sombra da morte
parecia-lhe, em outros tempos, a solução adequada. Ouvira dizer,
inclusive, que interromper o próprio alento era postergar a solução
da redenção.
Quanto mais revivia a peregrinação,
mais o movimento da mão submersa na correnteza formava desenhos
simétricos. Respirava com a tranquilidade de quem conquistara a
vitória sobre si mesmo. Ganapati era agora sereno e recompensado.
Deitava sobre o jovem alongadamente
recostado na relva a luz do luar, prateando a vida de quem sabia, na
alma, que havia encontrado o dissipador da sua ignorância. É noite
de Guru Purnima, Hare!
terça-feira, 26 de junho de 2012
Papel e vento
Sentado sem muito tino e nem destino,
deixei-me levar pela brisa que brincava com um despretensioso pedaço
de papel. Nada se interpunha entre os dois, fazendo com que trocassem
favores: o vento exercia o seu poder de levantar peso, enquanto o
papel usufruía da força alheia para voar. Assim, em uma simbiótica
relação de aproveitamento, lá iam eles!
Um não se sentia mais usado do que o
outro. Não era disputa. Era simplesmente a ocasião. Sábia relação!
Tolos são os papéis ou os ventos que
se digladiam ou se exigem mutuamente, chegando ao cúmulo de se
apoquentarem. Não desfrutam do tempo, não aproveitam o momento,
amofinam-se e se ressentem. Perdem-se e jamais recuperam a chance do
deleite.
Já alto vão os entrelaçados em uma
inaudível permissão que os faz livre. Não a liberdade mal
interpretada de se andar sozinho, mas a sensação interna que os
liberta das cobranças. Seguem soltos consigo mesmos. Razão pela
qual podem ser felizes. Tornam-se, pouco a pouco, um ponto no céu
cada vez tão mais diminuto que chega a desaparecer de minhas
retinas.
terça-feira, 19 de junho de 2012
Anjo e demônio
A rima é pobre, mas o sentido é nobre!
Disfarça
ou mente
quem diabo
não se sente.
Aureola
que nem sempre
se mantém
reluzente.
São pouco
inteligentes
aqueles
que desejam ausentes
firmarem-se
como inteligentes
na falácia
das correntes.
Ao
contrário, revelo-me valente
ao
reconhecer humildemente
que não
só em mim querubim presente
vive
também o Mal insistente.
Não há
discurso convincente
que me
ponham na mente
que
existam homens eterna e somente
benéficos,
presentes e prudentes.
Mais vale
a verdade que movimente
as luzes e
sombras intermitentes
do que sou
absolutamente
Anjo e
demônio ambivalente.
terça-feira, 12 de junho de 2012
Paisagens e sensações
Houve um acordo tácito entre mim e o tempo nesses dias passados. A
trégua teve sua razão. Além de merecê-la, talvez eu sucumbisse,
caso não estabelecêssemos o acordo. Paramos os ponteiros do relógio
(ou ao menos fizemos com que eles andassem mais lentamente). Tanto
foi que, em alguns momentos, não sabia nem o dia e nem a hora em que
me encontrava.
Aceitas as condições que favoreceriam a ambos, caminhei como
peregrino do acaso. Juntei-me a outros três andarilhos naquelas
paragens, ganhamos liberdade!
Pisando estradas e picadas recoberta de cristais, sentimo-nos enormes
como quem sobrevoa acima das estrelas. Vimos poeira cósmica,
ganhamos terrenos e, entre rochas lunares, mergulhamos em poços
translúcidos. Cansamos o cansaço. Vencemo-lo!
Embrenhando-nos em nossa própria capacidade de superar, recuperamos
nossas forças em tonéis de nascentes aconchegantes. Ali suspiramos
e nos deixamo ficar. Fugiu-nos completamente a noção da sequência
dos segundos, minutos e horas. Tais tiranos foram embora!
Gargalhamos não pela obrigação da simpatia, mas o que sim em nos
jazia era a pura simpatia de sermos nós mesmos. Potentes, frágeis,
eloquentes, ousados ou tementes, éramos, na verdade, autênticos!
Florestas de crenças suprarreais, céus coalhados de histórias
(ouvimos muitas), riachos e cascatas que geravam melodias enebriantes
(por elas fomos envolvidos). Permitimo-nos este presente.
Olfato aguçado, distinguimos perfumes e incensos. Olhares atentos,
vimos detalhes inesperados e vida pulsante. Paladar avivado,
saboreamos a simplicidade e comemos manjares. Tato alerta, tocamos
formas e percebemos diferentes texturas. Ouvidos abertos,
distinguimos ruídos e escutamos o som do mundo. Um espetáculo
sensorial para além da explicação.
Eis pois, aqui, nobres e valorosas almas para sempre!
Terminado o contrato, voltou a ampulheta a nos cobrar o compromisso
do tempo! Entretanto, não nos restam dúvidas: valeu a pena!
terça-feira, 5 de junho de 2012
Mesclagem
Trupiquei no emaranhado das linhas do tempo, não por distraído ou
desatento. Mesmo não querendo ser enredado, acabei caindo nas tramas
daquele novelo multicor. P'ra me livrar tentei de tudo, soprei o
embolado tal qual me ensinara, certa vez, minha tia-avó. De nada
adiantou, estava trucando. Busquei entender a lógica antes de
empreender a tarefa de separar cada fio. Foi em vão! Logicidade, se
havia, não era p'ro meu entendimento.
Parei de relutar p'ra não cansar. E sabe que começou a acontecer o
que eu temia? Acabei me acostumando. “É a convivência!” Alguns
diziam. Outros, mais sarcásticos e derrotistas, bradavam “Tem
jeito não. Abre mão de fazer força! Deixa de ser bobo (p'ra não
dizer otário)”
Ali, aboletado, quase estatelado, no chão. As linhas passavam por
cima de mim da forma como elas queriam e sabiam. Não estavam nem aí
p'ra mim. Nem permissão me pediam. “Com licença” então, nem
pensar!
Recuperando o fôlego da peleja, iniciei meu processo de indiferença
para com elas, até que, refeito do susto, apoiando-me em mim mesmo,
ergui-me e de soslaio controlava qualquer movimento que aquele bobolô
pudesse ter na tentativa de me derrubar novamente. Pé-ante-pé,
levantei-me. Arriscava um passo, outro, mais outro e, ainda, mais
outro até que, numa distância considerada razoável, bati em
retirada.
Tempo,tempo tempo, vocês podem até me pegar n'outra esquina. Mas
que vão ter trabalho, lá isso eu garanto!!
terça-feira, 29 de maio de 2012
O norte
Mergulhando a agulha, deixei-a se conduzir pelo próprio instinto de
buscar o seu norte magnético. Rodou p'ra lá, rodou p'ra cá e
depois de tantas piruetas que fez, aprumou-se!
De pouco adiantaria (energia improdutiva) tentar colocá-la logo de
cara na direção correta. Dois motivos me fizeram abrir mão da
tarefa: o primeiro porque correria o risco de não a posicionar
exatamente na linha certa (seria energia gasta desnecessariamente) e,
depois, quer eu fizesse o esforço que fosse, gastasse o tempo que
gastasse, uma hora ou outra, ela, por si, encontraria o rumo (teria
sido mais esforço sem necessidade).
Se a lei da natureza diz que a imantada aponta para o norte,
pergunto: por que desperdiçaria o meu tempo (que já nem é tanto
assim) para algo que iria p'ro lugar correto, independente de minha
vontade? Ainda há os que, afoitos, nem se dão conta de que poderiam
investir seu escasso transcorrer das horas em coisas mais eficientes
e menos previsíveis.
Deixem que eu deixe a agulha lá tentando ela própria seguir o seu
destino.
terça-feira, 22 de maio de 2012
Fio da lâmina
Atravessou
como flecha o peito da noite a luz da lua.
Raio
afiado pelo vento do desejo,
esmerilhou
a lâmina certeira e zás!
Alojou-se
entre as tramas das estrelas
fazendo
verter candente rastro de brilho.
Nascia
assim a vida dos amantes.
Ecoou no
tempo o vácuo do espaço,
Transformando
em movimento,
O suspiro
dos pulmões dos que se entrelaçam
No “acordo
mudo com tudo”!
Deixai, ó
inspiradoras deusas da completude,
que eles
se desgastem pela permissão, que ambos se concederam.
Não os
observeis e, muito menos, não os cerceeis a liberdade
Do calor
que deliberadamente optaram por gerar.
São
cúmplices do hiato, conceito de tempo que significa existência.
Instante,
eternidade, fugaz ou perpétuo.
O que
importa não se mede nas areias da ampulheta.
Sagazes são
aqueles que intensamente sangram a arte de amar!
terça-feira, 15 de maio de 2012
A lição de Subramani
Subramani passou o tempo
necessário e exigido pelas normas do mosteiro a estudar e a aprender
a conviver com o seu próprio silêncio. Quantas vezes lhe doeu na
alma o esforço de calar a voz da mente. Sua dedicação suplantava
os incômodos ocasionados pela austeridade. Entretanto, antes de
compreender de forma mais ampla os objetivos da formação, ele fora
assaltado algumas vezes, em determinados momentos de sua preparação,
por pensamentos tolos: “Quem estaria dentro da minha cabeça para
saber que estou pensando? Relaxava e se despreocupava naquelas
“folgadas estripulias” da mente. Invariavelmente, surgia ao seu
lado algum monge mais velho e a reprimenda era certa! “Pare de
pensar, Subramani!”
“Mas como é possível
que ele saber que eu estou pensando?”
“Caro Mestre, o senhor
lê mentes?” perguntava inocentemente o aprendiz.
“O dia que receber sua
ordenação terá compreendido como se faz. Nada de leitura de mente,
meu jovem... nada disso! Tudo a seu tempo.. Você aprenderá.”
Seguiram-se os anos e
todo o tempo das lições trasncorreram até que chegou finalmente o
dia de receber na fronte o sinal carmim das cinzas monásticas. O
preparativo era lento, mas transparecia no ar circundante a alegria
do dever cumprido de todos os envolvidos. Jejum, abluções e muita
oração completavam aquele dia especial.
O som sagrado
initerruptamente ecoando pelo saguão anunciava o início do evento.
Entraram todos os mantos alaranjados, contritos e serenos. Terminada
a saudação ao Grande Senhor do Templo, ornado de uma guirlanda
vermelha e branca, o silêncio fez morada.
Tudo se orquestrava sem
nenhuma palavra. Inclusive o instante em que Subramani surgiu no
corredor central à porta do salão. Parecia que seus pés não
tocavam o chão no deslocamento em direção ao sacerdote que
oficiava a cerimônia. Em um clima de profunda paz, os traços
paralelos foram feitos na fronte do noviço. Do canto dos olhos duas
pequenas e brilhantes lágrimas corriam em sinal de júbilo por haver
chegado à meta. Estava pronto e ordenado. Rompendo o silêncio, o
monge mais antigo, mesmo com um tom suave, revela a última prova:
“Jovem Subramani,
olhando para todos estes irmãos aqui sentados em meditação,
diga-me, qual deles está pensando?”
Tomado pelo susto, pois
ninguém lhe havia dito que passaria, em público, por aquela
provação, o recém-monge enguliu em seco e sem poder perguntar
nada, observava a tensão no ambiente a espera de sua resposta.
Assim, movendo no seu íntimo tudo que poderia estar armazenado e que
lhe serviria de base para a resolução do mistério, voltou o seu
corpo compassadamente e observando a cada um, após algum tempo,
apontou para um dos monges.
“E como você sabe que
aquele monge não está com sua mente vazia?”
“Simplesmente porque
percebo que, ao contrário dos demais, ele tem movimentos faciais
mais intensos. A testa se franze, ainda que levemente. O canto dos
lábios se elevam involuntariamente. São detalhes mínimos, mas são
os únicos indícios que consigo detectar.”
“Muito bem, Subramani.
Eis o seu maior ensinamento: O olhar, janela da alma, quando está
atento consegue desfazer as fronteiras entre o visível e o
impalpável. Só a mente quieta é capaz de enxergar a plenitude a
ponto de 'ouvir' o silêncio e distinguir das confusões dos levianos
pensamentos. Leve consigo esta lição e seja feliz em sua missão de
tocar os homens com a sua paz! Vai e cumpra com o seu
prarabda-karma.”
domingo, 6 de maio de 2012
Série Binômios - I
Série Binômios – I
Nem todo homem moral é ético. O primeiro cumpre com as convenções (e pode cumpri-las muito bem), mas isto não significa dizer que pensa de acordo com o que faz. O ético certamente vive muitos conflitos por estar a todo instante pesando e sopesando a realidade circundante e o mundo interno das suas convicções. O moral move o mundo quando o ético coincide com ele. O ético tem que gerar uma força gigantesca para acionar as mudanças quando o ser simplesmente moral não fala a mesma língua que a sua.
O humano ético não se decepciona no que o alimenta, ele se dilacera, sim, ao se ver em situações discrepantes e aviltantes. Não muda a ética, mas silencia a moral. Ao contrário, o agente moral, se não se der conta da natureza ética, pode infringir as regras internas sem que com isso se sinta condenado. Pode, inclusive, não fazer por mal, mas pode ocasionar o mal a outros.
Uma peleja se dá quando o homem moral percebe que deve dar ouvidos à ética e, por consequência, tem que reformular a sua visão de mundo. Ferir-se não seria uma surpresa, mas estará, com absoluta certeza, no escopo da evolução. Em outras palavras, o moral dará lugar, mais cedo ou mais tarde, ao ético. Não vale, portanto, a pena sofrer: reconfigure-se!
terça-feira, 1 de maio de 2012
Exigências alheias
É duro quando as exigências do mundo lhe colocam contra a parede e você se vê forçado a atender às solicitações. Não se trata de uma revolução ou rebeldia diante do cotidiano. Não é um protesto nem, muito menos, o cruzar dos braços para as ações que devem ser empreendidas. É, somente, um desabafo e talvez, quem sabe, um convite à reflexão.
Mas a questão é – e ninguém pode duvidar – que por vezes gostaríamos de não ter que cumprir com as requisições, com as cobranças e com as necessidades outras e de outros. Como dizem os poetas: arre!!!!
Sem muita escapatória lá estamos a exercer a função de atendente das urgências alheias. Sim, urgências sim! Para o outro, as suas querelas são sempre “p’ra ontem” e ai de nós se não estamos prontos a ouvir e agir em benefício de quem nos clama. Somos mesquinhos e indiferentes ao gigantesco problema que lhe aflige. Estamos tão frios que somos incapazes de enxergar o imenso maremoto onde se encontra o solicitante. Verdadeiramente somos maus.
Pois quem de nós aqui nunca sofreu desta acusação? Quem, entre todos, não se deixou levar pelo alarido e terminou por se redimensionar na tentativa de auxiliar a quem, na descrição dos atos e fatos, criou quimeras sem tamanhos?
Então, meus nobres, hoje, não serei surdo aos apelos, mas confesso, de antemão, que não estava com a menor vontade de escrever. Entretanto, aí vai mais um devaneio.
Lembre-se: não se deixe cobrar tanto. Não porque a cobrança perca seu sentido, mas recorde-se sempre da sua condição também humana de falhar, não por ansiar o erro, e sim por se dar conta que não somos competentes de gerir socorro cem por cento do tempo, até porque, cá entre nós, nem de tempo entendemos.
terça-feira, 24 de abril de 2012
Teatro de Operações
Sempre
pronto o campo de batalha. O vento só espreita a chegada dos que ali
lutarão! Independente de ser sol escaldante, noite fria ou dias
chuvosos. De um lado, o que vive externo de mim, do outro, o oponente
interno de mim mesmo. O primeiro grita pelo que lhe circunda e tenta
minar a sua fortaleza. O outro silencia entendendo que a economia das
forças é a aliada para a vitória. Aquele que é sempre percebido
pelos olhos de terceiros tem que captar o mundo circundante e dar
conta dele. Abate-se algumas vezes com as questões e as
vicissitudes. Compreende que nem tudo é perfeito e inclusive treme
diante de tamanhas complicações.
O
outro, aquele mais fechado e ensimesmado, esforça-se por se manter
em paz.
Lá
fora, o vendaval redesenha os contornos, refaz os projetos, derruba
as certezas, em fim, constrói o irregular e não abre mão de manter
o previsível. Por sua vez, o combatente interno municia-se para não
crer nos solapos exteriores. Sabe que a paz não é o resultado dos
conflitos e esforça-se em se manter de pé.
Lá
um “eu” sacudido pelas intempéries. Aqui outro “eu” ciente
de que nada do que é gerado no plano da matéria é capaz de ser a
condicionante do equilíbrio. Só me faltava essa: ter que consolar o
meu debatedor a todo instante e, no final das contas, carregá-lo
para o meu universo. Não há como retroceder nem pode vacilar a mão
que ergue a espada do bom combate! Viva o exemplo Arjuna.
Vamos
a isto então!
terça-feira, 17 de abril de 2012
Dream, problems and happiness
Em
hipótese alguma, desmereço ou deprecio Martin Luther King, mas
rearrumaria a sua célebre colocação: I
have a problem! Ou melhor, I
have some problems! Sim... não são
todos os problemas, mas alguns. São justamente eles que me fazem
complementar a filosofia “lutherkinguiana” de poder ter sonhos.
O que seria da vitória se eu não tivesse enfrentado os obstáculos?
Não reconheceria (e não saberia diferenciar) o gosto da conquista
da complacente morosidade dos dias sem vigilância. E olha que não
são desculpas esfarrapadas do conformismo dos atribulados. Não, não
são! Acredito mesmo que a graça da vida está na suplantação.
Parece jargão, porém, a vida humana não existe se não existem as
complicações. Na história deste nosso planeta, apontem-me um só
ser vivo que não tenha tido dificuldades para transpor? Se suplantou
é outra história! Mas que as teve, ah, isso sim... teve.
Não adianta se esgueirar de uma ou de outra barreira, porque, no
final das contas, sempre surge alguma até então insuspeitável que
lhe espreitava. Não estou fazendo a apologia do caos na existência.
Quero somente deixar às claras o estado de consciência que tenho
para “matar meus leões” a cada dia, sem que com isso esteja
arriscando a minha felicidade. Não poderia ser feliz pelo que não
enfrento ou me esquivo. Esse ânimo de viver não pode estar atrelado
aos percalços que a limitação do mundo das relações cria. Em
outras palavras, ser feliz é “apesar de”. Felicidade não se
restringe ao que se tem ou ao que não se conseguiu adquirir.
Lenta
luta leva longe longas longos legados. Este é o resumo de viver:
somos um somatório de tudo que aprendemos, e se tal batalha é que
conforma o guerreiro, a experiência jamais será retirada da carne
dos que combateram. Por essa razão, King, my King... I
Have some problems e sou feliz.
terça-feira, 10 de abril de 2012
Sombra esmaecida
Soou forte, no vento, o estrondoso mote: A morte!
Se quis assustar-me, perdeu a oportunidade, pois não é de susto que
eu a alimento.
O meu intento é revertê-la, muito mais do que sorvê-la!
Se queria a sombria manceba palmilhar os centímetros das vidas,
aviso-lhe, logo de supetão: não será comigo então!
Vou léguas distantes e no murmúrio do silêncio restante, ouço uma
risada amarela e pouco vibrante. Pobre coitada: não mais galopante.
O seu empenho não me refreou o ímpeto, nem ao menos paralisou a
consecução dos meus dias.
Se objetivava confundir meus conceitos a respeito, alerto: esmaeceram
os esforços!
Descreditei, desde há muito, de sua consistência e por conseguinte
não a abraço mais.
Respeito a falência da matéria, calo-me na dor do afastamento, mas,
em nenhum momento, dou por findada a tarefa de seguir vivendo.
Mudam os aspectos, os movimentos e as possibilidades, porém,
mantêm-se as opções de permanência. E com nenhuma indulgência,
liberto-me da dívida do luto para seguir impoluto no contrato divino
de seguir existindo através do tempo.
terça-feira, 3 de abril de 2012
Voltar a fazer
Tenho vivido um dia por vez. Em algumas oportunidades mesmo
surpreendido pela minha ansiedade, vejo-me atado às circunstâncias
da inevitabilidade do tempo. Reajo externamente, exponho o incômodo
através do verbo, mas passado o instante dos acontecimentos, percebo
que é inútil gritar. Melhor e mais sábio, para a sobrevivência da
paciência, é ficar calado. Mas quem consegue?
Insisto, desisto, suspiro, deliro... meu mix de emoções
encontra eco na alma e desfaleço como estratégia inconsciente.
Talvez para me manter vivo – play no off : desligo!
Taxativo mesmo, mesmo, nem a morte consegue ser! O destino, este sim,
é a sorte de quem encontra resposta para as perguntas que não fez!
Encampa-me a lúcida estupidez de investir novamente no esforço da
clareza, que encadeado pelos pensamentos vai costurado pela linha do
contentamento de que vale a pena tentar. Agora é sério. Será só
desta vez, prometo (até a próxima)! Não tomo jeito!
terça-feira, 27 de março de 2012
Destruição e Reconstrução
Não que a ave grega não
tenha seu valor pela imperiosa força de renascimento. A questão focal não é
esta. Obviamente que a oportunidade de recomeçar é sempre bem-vinda e reflete
uma espécie de concessão supra-real (divina, se quiserem assim chamar) para todo
ser vivo.
Entretanto (o que seria do
mundo se não houvesse o “entretanto”?), a faculdade de renascer não é
espontânea. Advém de uma “ignição” muitas vezes desprezadas por parte dos que
olham somente o resultado e se esquecem do processo. Em outras palavras – para não
nos acusarem de herméticos –, nenhuma fênix assim seria chamada se não houvesse
o fogo que a consumisse antes. Nossa ótica, quanta vez
capenga, não consegue perceber que aquilo que “destrói” tem função restauradora
e oportuniza o crescimento. Só há espaço para outras chances quando há uma
varredura (otimização, se assim preferirem) do antigo. Caso contrário, corre-se
o risco de virar amontoado a mesclar velhos, desnecessários, desgastados,
finalizados com os novos, inéditos, refeitos e restaurados. Isto embaça a vista
e colabora para que na confusão não distingamos (e tampouco escolhamos) entre o
servível e o desprezível.
Eis então a função
gratificante e importantíssima do fogo que consome e abre claros que garantem a
existência da fênix como tal.
terça-feira, 20 de março de 2012
Transformação
Havia sorvido toda a água do mar
com canudinho, deixando a flora e a fauna marinha na aridez das areias
depositadas no que um dia teria sido as profundezas dos oceanos. Colaborou na
tintura do cinza-chumbo do horizonte e de todo a abóboda celeste. Ceifou com maquinário
afiadíssimo os verdejantes prados cultivados pelo tempo. Fez escorrer as lamas
dos altos degelos de montanhas himalaicas. Fez abismos ao gerar sumidouros rasgando
o solo sedimentado. Contaminou a perfeita combinação dos elementos químicos que,
diziam, era chamado de ar puro. Distraiu a atenção que aproximava o ideal do real.
Afastou o que foi possível e afastou-se. Enfim, tornou-se uma espécie específica
da raça humana.
terça-feira, 13 de março de 2012
Subway
Lá ia eu,
no dia de ontem, de metrô para o trabalho. Era cedo, apinhados de
gente iam os vagões! Mesmo sonolento, peguei-me surpreso com a cena.
Em um mundo globalizado, onde a necessidade de se falar a mesma
língua (ou seriam linguagens?) parece ser o mote das questões,
deparei-me com uns 50 % dos passageiros com seus fios brancos (ou
pretos) que desciam de seus ouvidos. Simplificando: muita gente
estava ensimesmada escutando alguma coisa nos seus fones. Curioso e
patético, ao mesmo tempo, era ver como ninguém se olhava, nem mesmo
percebia a presença do outro. Comecei a brincar de ver. Um estudante
(deveria ser) com sua bolsa surrada, com a alça que cruzava o peito,
batia na perna como se guitarra tocasse. O jovem new-office-boy (pela
camisa de listras de mangas dobradas) balançava a cabeça no que o
ritmo lhe ditavam diretamente no cérebro. A garota do top amarelo,
preocupada em consertar a postura para não mostrar mais do que já
se estava vendo, tinha os tampões nas orelhas, mas era como se nada
a obstruísse. E assim, uma sucessão de caras e bocas, todas com a
possibilidade de nada interagirem devido à desculpa dos auriculares.
O
silêncio, vez por outra, era interrompido pela “próxima estação”
(next stop) ou pelo celular insistente de uma senhorinha que, meio
surda, gritava para quem estava do outro lado do aparelho (e para nós
também) que iria chegar para o almoço!
Que mundo
é este onde a façanha tecnológica afasta os homens? Não haviam
criado desde as revoluções industriais, cibernéticas e tantas
outras um modo de aproximação?!
Será
então – pensava eu – que no tempo das liteiras, da mesma
maneira, não se comunicavam os que eram carregados para lá e para
cá?
Ó São
Tablet dos Modernosos, Santa Ipad dos Apressados, Nossa Senhora do
MP3, 4, 5, 6, 7 e quantos mais, sei lá! Valei-nos! Desci na estação
e, provavelmente, nem me viram!
terça-feira, 6 de março de 2012
É noite lá fora (II)
É noite lá fora... é noite lá fora....
Mas aqui dentro, na claridade do meu dia,Eu vejo homens de areia fraca
Que escorrem inexoravelmente
Pelas ampulhetas do tempo.
Desfeitas... Descompostas...
É noite lá fora.
Retoma-se o fluxo, Redobra-se o esforço.
Atento a planos seguros,
Seguimos na atitude
das mãos estendidas.
É noite lá fora
E no arroubo do momento,
Faz-se a compreensão exata da forma
Onde as labaredas da razãoNão arrefecem o incêndio
Da claridade do meu dia.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
A Dama de Copas
Um tanto quanto afoita e gananciosa, achando que o empenho das ações
a faria mais poderosa e assistida, certa feita, a Dama de Copas
resolveu garantir a plenitude de sua estabilidade e segurança
afetivas. Com o ardil da rapidez, recolheu os ícones dos quatro
naipes existentes e providenciou um afiado estilete que, com precisão
cirúrgica, abriu em cruz os desenhos de Paus, Ouro, Espadas e Copas.
O resultado era previsível: cada forma estava agora composta por
quatro pedaços. Tomou para si um quadrante de cada naipe e,
juntando-os, “inventou” um novo símbolo. Estava criado um novo
naipe seu. Só seu!
Era hora de aproveitar a genial ideia. Entretanto, como o nascimento
era fruto de um esquartejamento (ainda que havendo aproveitado o que
cada um tinha de mais harmônico), não encontrou a pobre senhora eco
entre os demais integrantes do baralho. Não havia nas redondezas
nenhum outro modelo que pudesse se aproximar daqueles contornos. Nem
mesmo ela estampava a inédita heráldica em sua bandeira!
Se anteriormente afastara-se dos seus e desdenhara o restante, tudo
em prol de uma necessidade que não mediu as consequências, agora
jazia solitária. O desfecho não foi outro a não ser entristecer-se
em seu isolamento da tentativa de um ineditismo que não encontrou
parâmetros. Entendeu, na dor da própria carne, que a felicidade não
é necessariamente a exclusividade ou a novidade, mas sim, a forma
como se reinventam as possibilidades do que se tem na vida!
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
A cartomante
Um amigo me contou uma história que vale a pena repassar.
Chegou o dia marcado em que a cartomante não mais pertenceria ao mundo dos vivos. Passados os primeiros momentos da tonteira inerente a quem atravessa a fronteira das vidas, recuperado o fôlego e o equilíbrio da visão mental, eis que ela se deparou com a cena funesta e escura do entorno. Achando que ainda não estava totalmente aprumada, pensou consigo: “Tenho que esperar um pouquinho mais até que eu possa vislumbrar minha nova morada.”
Grão a grão, escorreram as areias do tempo até que ela se deu conta de que não havia mais o que esperar. Era aquela mesma a imagem, era aquele mesmo o local.
Estarrecida (para não dizer assustada) foi em busca de alguém que pudesse lhe explicar o que estava acontecendo. Encontrou-se com uma figura esguia, vestes acinzentadas e pés descalços.
“O senhor poderia me dizer onde estou?”
“Ora, ora... No limbo!”
“Como assim? Impossível! Antes de iniciar esta viagem eu consultei para mim mesma as cartas e, segundo o jogo, vi asas na minha vida. O senhor tem certeza de que estou no lugar certo?”
“Minha filha, para se viver de interpretação, além da experiência que os anos trazem, não basta a intuição, há que se ter isenção. Você viu asas e achou que isto significava céu?”
“O que mais podem representar asas a não ser anjo?” Falava indignada a cartomante.
“Por acaso você via anjos?”
Ela balançava negativamente a cabeça.
“Asas soltas, no seu caso, são as que caíram. Assim como alguns seres celestiais que perderam as suas e tiveram que passar por aqui, devido à descrença ou mau uso de seus dons, alguns seres humanos também perdem suas chances de crescimento e precisam de mais um tempo de aprendizado.”
Cabisbaixa, deu as costas para o porteiro e desanimada caminhou em direção à nova oportunidade de crescer.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Estátuas na areia
Em meio à paisagem um tanto quanto árida, destacavam-se duas belas
estátuas do mais raro mármore. O esmero das formas mostrava os
detalhes dos contornos e era possível crer na realidade da
representação. Estavam uma defronte a outra a se olharem.
Os que por elas passavam admiravam o trabalho do escultor, bem como
prestavam atenção nos motivos que as colocaram ali.
Na rapidez das mudanças inesperadas, sobe o pó das areias nas asas
da ventania que transforma a paisagem em um único tom bege sem
nenhuma outra forma ou cor. Ninguém consegue ver nada mais!
Cada uma das minúsculas pedras acabou tornando-se cruel esmeril a
bater fortemente em ambas as estátuas. Uma permaneceu, em grande
parte, em sua forma original, somente cravejada dos pequenos
estilhaços, mas era possível reconhecê-la como antes. A outra, à
medida em que era atingida, soltava fragmentos de sua película mais
superficial e revelava, aos poucos, outra base interior. No final,
descascada, era completamente outra imagem.
Baixada a agitação da poeira, a cena ressurgia. De um lado, a
primeira escultura que, apesar de um tanto quanto mais porosa (devido
ao polimento forçado), mantivera os mesmos contornos e feições. A
segunda, já não mais na posição que fora colocada inicialmente,
encontrava-se de costas a observar uma outra imagem em pedra que surgira
após haver cessado o caos.
Entretanto, eis que surge, voraz e inclemente, no horizonte, outra névoa
sólida que, na esteira do ar, torna a cobrir todo o cenário!
Restava às estátuas esperar passar o torvelinho.
Arrefecidos os ânimos dos Senhores do Tempo, descortinava-se
diferente palco. Aquela imagem que fora descascada anteriormente
jazia solitária. Perto não estavam nem sua primeira companheira,
muito menos a outra que surgira (sabe-se lá de onde). Não passou de
miragem e como tal era magnífica, mas volátil. Tão impalpável
como improvável.
Rescaldo de quem se deixara-se enganar pelos olhos do corpo e,
advindo da tolice encantatória, findou os dias cega na alma!
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
É noite lá fora!
O único intruso do mundo era o feixe prateado que, entre as brechas
das distraídas cortinas, entrava tal como flecha de luz. Era
pontual. Tocava uma nesga do solo e brilhava como um espelho de
pequeníssima poça d'água. No mais, não havia nem ponteiros e nem
metragens. Desapareceram as linhas encarceradoras do tempo e do
espaço. Estávamos dispensados deles.
O ar, cravejado de diminutos sons arfantes, oferecia-se para nutrir
as possíveis necessidades de ser alimento para o transcurso dos
instantes (se dele precisássemos). A superfície que nos sustinha,
disposta em uma maciez desalinhada de formas, não requereria
reparos, pois se orgulhava de ser a testemunha das ondulações que
singravam os mares bravios que buscávamos mutuamente. Houvesse olhos
a observar notariam, vez por outra, duas sombras a se entrelaçarem.
Entretanto, na grande maioria do ambiente, só se percebia uma única
forma a se mover e a produzir a preciosa pedraria que brotava das
superfícies (resultado dos movimentos e do ritmo instaurado). Apesar
de salobra, era feliz.
Fadiga - vocábulo inexistente enquanto houvesse a crença de que ali
reinava o desejo das descobertas – não fez morada. Palmo a palmo,
os milímetros percorridos, os sulcos abertos, as clareiras
atravessadas, tudo era motriz para a permanência inalterada das
proibições de uma invasão temporal. Estancou-se o filete da areia
dentro da ampulheta.
Por fim, nos primeiros indícios de alvores do novo dia, ali
jazíamos, no nosso hiato das limitações, a nos regozijar pela
recompensa do merecido descanso de uma eterna noite amando-nos.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
No nascer do dia
Borbulhavam as espumas do mar, não pela agitação ou violência
além do normal. Rompiam os limites de longe, chegando até a tênue
linha entre as derradeiras ondas e a areia, e ao arrebentarem das
alturas traziam consigo a melodia produzidas do mais recôndito das
conchas-tritões.
Uma dança mágica que a poucos olhos atentos entretém. O aroma
suave marinho espalhado pelo ar, a coloração forte azulada, com os
bordados brancos aperolados que parecem rosários desfiados por mãos
habilidosas. Brisa suave a desenhar na superfície delicadas
contornos espirais na harmonia do ambiente. Toda paisagem se vê
emoldurada pelo fundo de tela rosáceo dos primeiros aventureiros
raios solares.
Sentado ali no pequeno arrimo que serpenteia a praia, meus pés,
roçando o espelho d'água e meus olhos a fitar o horizonte, vejo
leva-se das brumas de minhas lágrima a figura esquia e bela, coroada
pelo divino existir. Sussurro para mim e ela me ouve: “Odoyá!”
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
As asas para voar
Ao abrir a porta,
tropeçou num pequeno ninho. Agachou-se, fitou espantado e curioso ao
mesmo tempo. Quem teria colocado ali o amontoado de palha? Havia
dentro um diminuto pássaro, assustado e faminto. Levou para dentro o
“pacote” (perdido, deixado, esquecido, nunca soube). E aí teve
início o cuidado e a atenção. Correram os dias e a avezinha ganhou
confiança e disposição. Plumagem cheia e reluzente, seu voo era
planador e soberbo. De longe ouvia-se o seu trinar de alegria e
segurança. Havia encontrado guarida e amor. Na esteira do tempo, a
notícia da relação estabelecida entre o menino e o seu pássaro se
espalhou. Muitos para lá acorriam com o intuito de admirar o
espetáculo criado entre os dois. Era bonito de se ver.
Entretanto, atrelado a
repercussão e a fama que se espalhou veio o receio do jovenzinho,
pois tamanha beleza poderia despertar a inveja dos olhos alheios e a
cobiça de terceiros.
Decidiu então resgardar
seu pequeno tesouro de todas as formas. Evitava o sol com muita
intensidade. Embarreirava o vento, impedia o pó da rua, não deixava
abertas janelas nem portas... E a cada dia pensava em uma forma a
mais para proteger o presente caro. Forjou em ferro dourado a mais
linda gaiola que já se teve notícia, com espaço imenso e conforto
de comida, água e poleiros.
Pronto... não corria
riscos de ver sua felicidade exposta ao perigo externo.
Certa manhã, uma das
mais azuis que o dia poderia fabricar, como sempre em sua rotina, foi
alimentar o seu pássaro. Abriu a portinhola e com o assobio de
sempre anunciou o início da jornada.
Silêncio (…)
Novamente, chamou com ar
que entre os lábios passava.
Maior silêncio produzido
ainda após o silvo (…)
Num canto da reluzente
jaula jazia inerte o aveludado animal, cansado de não poder ser que
verdadeiramente ele era: um pássaro a voar.
Assinar:
Postagens (Atom)