terça-feira, 18 de dezembro de 2012

tempo de uso e tempo usado

A questão não é 'há quanto tempo” e sim “o quanto do tempo”. Pois bem, e antes mesmo que me acusem de complicado ou complexo (na verdade são coisas diferentes), vou logo explicando: O que me afoba e me angustia não é o tempo que já transcorreu, não significa nem mesmo, na contagem, o rastro longo ou curto deixado como sinais de velhice. O que me sufoca é a busca da melhor forma de aproveitar o tempo de que disponho!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Libertas inaestimabilis res est


Se, um dia, às minhas palavras lhe impuserem deixar de ser sugestão. Se, no futuro, colocarem-nas contra a parede da razão. Afirmo de antemão: Deixarei que a pena descanse em paz, pois que outra serventia teria para mim se cerceassem a condição de toda coisa existente ser criada e deixá-la no entre-claros dos meus anseios?
Não se trata da apologia do insondável e muito menos a valorização do mistério implacável. O pleito reside na necessidade vital de manter a possibilidade dos diversos diálogos entre mim e todos os demais. Não há uma, nem duas. Quero-as todas as chances de recriação.
Imagine, atarefado companheiro, se me obrigassem a dizer no viés da compreensão alheia tudo o que em mim salteia? Criar-se-iam dilemas retumbantes entre o que penso ser para o outro a visão e o que entendo eu de mundo. Olha o frejo formado!
Em poucas e sorrateiras palavras, digo não aos que exigem de mim clareza, pois resta a questão: Claro para quem, meu irmão?

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Complexamente simples

Quando a felicidade lhe surpreender sem que você entenda os motivos, não busque as causas para não afugentar a espontaneidade e a liberdade de “ser por ser”. Quando a dor ou a tristeza lhe visitarem sem aparente explicação, não tente entendê-las e não especule sobre nada para que elas se esvaiam e desapareçam da mesma forma como vieram ou surgiram. Quando o tempo lhe sufocar, não se cobre cumpri-lo mais do que é humanamente possível ser feito, porque é entre as paredes do limite do tempo que é feita a vida. Quando o vazio das ações parecer preencher o seu dia, não coloque no suposto espaço oco o que quer que seja, pois mais a frente você poderá notar que aquele lugar estava sendo reservado para algo mais importante.
Em suma, não são as elucubrações que resolvem nossos incômodos, até porque muitos deles são sensações desconhecidas que nos colocam na exigência das explicações.
E quem foi que disse que para tudo devemos ter lógica, causas ou consequências visíveis? Viver é tarefa tão simples que se torna complexo demais aceitar.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Hoje

Você talvez não saiba exatamente o que é Kali Yuga. Pode até desconhecer quantos anos cabem nessa contagem de tempo que mede as Eras do calendário hindu. Mas, certamente você reconhece os tempos difíceis e complicados que estamos vivendo. De quantas pessoas você já ouviu a frase “Nossa! Este ano a coisa 'tá' braba!”?
Mas saiba que isto não é uma exclusividade sua e nem o único acontecimento na humanidade. Conseguiríamos imaginar um homem do medievo tecendo outro comentário que não fosse esse? E quando estouraram as Guerras? A afirmativa foi outra?
Em poucas palavras, a dificuldade de viver está no simples fato de estar vivendo. Pode parecer uma assertiva tola, mas absolutamente verdadeira.
Tal reflexão não tira o entendimento de que este ano 'tá' brabo mesmo!
Anunciado há algum tempo por diversas religiões e “revelações” extrassensoriais, o mundo passa por grave crise de caráter que esbarra em questões sociais mais amplas. Aquilo que nossos irmãos orientais chamam de “karma coletivo” e que vimos representar metafórica ou simbolicamente nas cenas do dilúvio, em Sodoma e Gomorra, na Batalha dos Pandavas, e tantas outras histórias contadas de geração em geração.
O fato é que a tensão está no ar. Somos desfiados constantemente e exigem de nós (quem exige?) um jogo de cintura que se renova todas as vezes em que resolvemos alguma pendência. Quando o ar que exalamos de “Ufa, venci” acaba, parece que imediatamente a respiração seguinte simboliza “caraca, de novo, lá vou eu!!!!!!”
Nossa!!!! Quantas cabeças estão balançando agora concordando com meus cometários! Pelo menos não estou tão estratosférico assim nos meus devaneios. Estou?
A pergunta que se segue à concordância das observações deve estar sendo: “E aí? O que fazer?” Desculpem a “tortez” da resposta, mas é um simples viver. E durmamos sem um barulho desses!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Rabiscos e rascunhos

Há momentos em que confundo rabiscos com rascunhos, mas um outro tantão de vezes o que faço é intencional mesmo e não estou iludido entre o que deliro e o que me faz tremer. Coisas diferentes são essas sensações. Tão díspares que, ao menor sinal de interseção, eu paro e espero que as pretensas confusões se amainem. Elas, por si só, seguem seus rumos.

Os ensaios minimizam os meus riscos, mas não conseguem me proteger na totalidade, pois não há como contar com o inesperado que, do nada, surge. 

Entretanto, em determinadas situações, o que faço, na verdade, é permitir o exercício do inconsciente para transferir para o alvo as questões insondáveis da alma. Nem são abismais, e muito menos rasteiras, as minhas divagações. Elas não entram no escopo da profundidade. Eu não as julgo por isso. Coloco-as na avaliação, sim, quando devem atender as minhas necessidades mais prementes. Se de forma rápida, alongada, funda ou rasa, não me importa, desde que cumpram com os seus papéis de seladoras dos vácuos que em mim percebo.

Do que falo? Aff! O que estou tentando dizer (será que consigo?) é que no transcurso das horas eu busco estar vivo!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Parto



Grávido do mundo, a espera de um parto mais amplo em direção ao ilimitado momento de renascer. Pobre dos encarcerados na visão pequena de que não há nada mais além do que os olhos podem ver. Mesmo assim, seguem eles, a trancos e barrancos, a jornada. A diferença está entre sofrer os dias da incerteza ou se manter convicto de que haverá mais luz do que o breu do pessimismo. Opto pela segunda chance e disto não abro mão.
Existirão seguidores? Oxalá que sim! Entretanto, ainda que não veja no rastro do caminho outras pegadas, não me limitarei nas amarras do tempo e me prepararei para a hora da explosão de vida!
São tantas as oportunidades que os homens vendados não conseguem captar. Nem por isso elas deixam de estar à disposição de todos. Basta lançar para o alto a mão da vontade e capturar o seu quinhão.
Talvez alguns estejam se perguntando: “Mas que delírio!” e eu responderei: “De que mais se faz a existência se não houver espaço para transbordar a linearidade dos acontecimentos? Louco sim, da sanidade de viver”
Se isto não fosse, não estaria grávido do mundo a ponto de parir a bela vivência de mim mesmo na felicidade de estar aqui. O tempo que não passa é o presente que não se esgota. O inexorável ponteiro que aflige é o passado que arrasta as dores e a ilusão do aprisionamento do espaço é o futuro assustador dos que nem para trás e muito menos no agora se permitem ser. Não é o meu caso!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Declaração


Amo as palavras! E o prazer que elas me proporcionam vem da íntima relação que estabelecemos desde os meus primeiros balbucios, onde vi nascerem as significações que aproximaram as pessoas. Representações incompreensíveis para a grande maioria, mas que ganhavam corpo dentro do seio familiar. Aí teve início essa história de amor.
Adoro-as devido à mágica que delas emerge quando se juntam, separam-se e tornam a se amalgamar numa incontável possibilidade de descreverem a vida. Rompem as barreiras do tempo e esfacelam o espaço, ocupam lugares e retorcem ponteiros.
Admiro-as pelo valor que dão aos tons do mundo. Contam e recontam as histórias, mudam os rumos, perdoam as derrotas. São a vitória dos que dela fazem bom uso e o algoz dos tropeçantes usuários.
Como disse o poeta – e em minhas mal-traçadas interpretações, reinvento: as palavras ou dão vida, ou podem matar.
Mergulho entre as encantadoras vozes que me levam a “mares nunca d'antes navegados” num bailado entre o profundo e o superficial que jamais me afoga. Roçamos nossos corpos, vivemos nossas emoções, sangramos nossas dores e rimos das tolices mais banais. Amo as palavras que conheci e já quero as que nunca vi. Sem conhecer divórcio entre nós, será eterno pois, ainda que chama, jamais se extinguirá.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Da série "Pelas ruas" - epílogo inconcluso

Pelo campo aberto das censuras internas, ia o andarilho (eu mesmo quantas vezes desconhecido de mim mesmo) a me perguntar: Se não me re-invento, quem, por Deus, nessa Terra engolfada pela falta de tempo entre os homens poderá fazê-lo por mim? Nem “Chapolin Colorado” conseguiria tal façanha.
Esforço-me, ainda que por vezes em vão. Outras tantas, amigos e irmãos, poucos prestam atenção. Culpa deles? Não! Certamente porque minha lente deve ficar embaçada e, na pressa, acabo por não reorientá-la na tarefa de limpar a imagem. Perco, logo pois, a oportunidade de que eles percebam meu empenho em dar nova roupagem às atitudes pétreas.
Então, por que, raios, fico cá eu a lhes exigir que me compreendam? Sinto muito... perdoem-me!
Nem pretendo a promessa da melhora. Até porque, se não consigo cumprir com o me refazer, como poderia assumir o compromisso público de demostração clara e efetiva das minhas adaptações e adequações ao tempo presente? Seria criar expectativas naqueles que me circundam e não seria justo.
Enquanto isso, vou levando, vivendo, revivendo, torcendo para entender e acertar. Com destino, mas sem uma obstinação que beira (ou roça) quase a cegueira dos infames e presunçosos.
O que esperar de mim? Bom... quem sabe você me encontra por ali, lá ou acolá, eu mesmo a me buscar, menos angustiado pelo causticante calor das areias que enchem a minha ampulheta. Boa sorte para você. Boa sorte para todos nós!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Dia N


Certa vez ouvi de alguém que gosto muito que “hoje é dia de nada”. Crendo que é o melhor que podemos fazer, hoje sendo dia de nada me sinto desobrigado a convenções e cumprimento de normas socialmente impostas. Deparo-me livre para poder deixar que o dia transcorra sem a pressão das horas, sem o engolfamento do tempo, sem o sufoco da correria dos atalhos.
Isto posto, hoje é dia de me dedicar a mim e revisitar minhas próprias entranhas. Não será a oportunidade de dizer ou explicar, justificar ou argumentar. Definitivamente hoje não darei voltas na minha cabeça buscando palavras para não ofender, ideias para convencer e não amarrarei a cara na contrariedade do que possam querem me exigir. Não desistirei pesarosamente dos compromissos e muito menos abdicarei de qualquer convite (dos mais prazerosos aos mais enfadonhos), até porque hoje não os terei.
Hoje é dia de nada. Não me culparei por nada fazer, afinal de contas, não estou dizendo que hoje é dia de fazer nada. Digo sim que hoje é dia de nada. Nada do que cotidianamente me assola, me oprime ou me deixa tonto por “ter que”. Se essa sensação se chama liberdade eu não sei, mas que me soa como desanuviação e me proporciona um dia de tranquilidade, lá isso é verdade.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Da série "Pelas ruas" - 3

Longe de querer ser original (aliás, o que é original, caro Platão?), mas por ser extremamente útil, deparei-me com uma longa rua, limpa e reluzente em suas vitrines polidas de dourado. Temperatura amena e gente tranquila caminhando. Cada qual com o seu tempo, com seu mundo. Tantos mundos juntos, algumas vezes se esbarrando, mas tão separados e distantes.
Havendo chamado a minha atenção essa disparidade toda, notei, sei lá se por acaso ou envergonhado, o maltrapilho que numa beirada de um portal bem esculpido em pedra deixava-se estar.
Mendigava? Talvez! Mas o que? Não era o aspecto que afastava os transeuntes, pensava eu. Era, na verdade, o peso das próprias circunstâncias que os fazia cegos. Aquele homem acocorado era invisível!
Deixando que meus “alfarrábios” mentais me lembrassem a lição secular de que todos estamos ancorados no mesmo esteio da criação e que sem prestarmos atenção podemos estar sendo testados na observância desse ensinamento, retirei do bolso a pouca nota – que provavelmente valor que compraria uma madura manga – coloquei-a naquelas mãos endurecidas pelos tempo e segui o meu rumo.
Ainda insatisfeito pela perplexidade do alijamento a que todos submetemos a cada um, voltei meu corpo em 180 graus para olhá-lo mais uma vez e vi que ali ele não estava e haviam brotado em seu lugar as alvíssimas mil pétalas brancas que são o privilégio de assento de poucos escolhidos e merecedores no mundo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Da série "Pelas ruas" - 2


Um sério defeito que tenho (dos inúmeros que não me atrevo a listar) é estar mais ensimesmado do que de olho no mundo. E assim foi... caminhando “cá comigo, meus pensamentos” quando, ao dobrar a esquina, num movimento mecânico, “trupiquei” com a afoita e rápida guria que no susto do supetão só disse “uiu!”
Ela nem ia muito parar para me dar trela e nem ao menos satisfação do tropeço. E quase a espera da famosa frase “Pô, tio, não olha pra onde anda, não?”, aguardei no vácuo do silêncio incômodo nenhuma resposta ou retrucada.
Era ela a Menina-Surpresa (seu nome) que nos momentos mais inesperado aparece e “buuuuuu” nos assusta. E o coração acelera não por ser feia ou desforme.... ao contrário... pode até mesmo ser bela e jovem. O que acontece é que somos retirados da zona de conforto assim de golpe. Não é a Surpresa que nos assalta, somos nós mais distraídos ou acostumados com o entorno linear que esquecemos de, avant-gard, estar mais a espera de que as situações mudem. Refeito, aprumei-me e segui o caminho.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Da série "Pelas ruas" - 1


E lá vinha eu, descendo a ladeira, nem tão íngreme assim, daqueles dias em que você acorda e, meio sem gás, pensa que o melhor teria sido não levantar. Olhar nem cabisbaixo poderíamos dizer, pois os olhos não estavam direcionados... perdidos, talvez, na confiança de se ensimesmar. Quando, pelo golpe fortuito do susto, tropecei na jovem senhora que, na direção oposta, vinha tranquila e segura de si.
Ops, desculpe” foi o mínimo, com o máximo de esforço, que saiu em som. A contra-resposta, suave e segura, não longe do esperado “bom dia”, fez-me parar e, reconhecendo a vergonha do tranco, romper a barreira do meu cansaço. Iniciamos a conversa:
  • Olá.. Vejo que o senhor vai por aí, ir por indo...
  • De verdade, hoje nem indo mesmo vou. Se deslocamento é ir, só por isso estou indo.
  • Prazer. Paciência meu nome. Eu que encontro tantos desencontros, que esbarro em diversos colididos do próprio ânimo, sei o que me diz e o quanto isso lhe pesa.
E lá se foi ela, ladeira acima, deixando-me com a pulga atrás da orelha: É... quando o homem pensa que não será retirado da sua zona de inércia, eis que lhe atropela a sentinela das vivências escondidas nos mais recônditos porões de você mesmo! Paciência!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Prognósticos meteorológicos



Há os que olham um dia encoberto como sendo a tristeza das possibilidades. Mantêm-se tão fechados, como o próprio entorno, a anunciar algum iminente temporal. Assustam os que observam, criam tensões ao redor, provocam movimentos de busca de proteção. Cansam-se e fazem cansar. Enfim, significam somente o prenúncio do cabisbaixo tempo. Outros, por sua vez, nem mais otimistas, nem menos derrotistas, entendem que, para além das amontoadas nuvens, existe uma imensidão celeste, intocada e clara. Aferram-se a esta certeza e espalham a crença na espera de que o pardacento dia não persistirá. Nada permanece da mesma forma ad aeternun.
Escolher o lado em que se passa a frequentar dependerá exclusivamente do “tempo” que dentro de si se reconhece. Algumas vezes, deixando-se levar pelo maremoto dos “nublados”, outras tantas filiando-se aos adeptos do céu puramente azul.
Sem haver certos ou errados, tudo não passa de passos a serem dados em uma direção ou em outra: Se o que persiste no caminheiro é a dúvida, provavelmente se antevê o lado que selecionou (céu cinzento). Por sua vez, se na trajetória se escolhe a passada mais firme, do mesmo modo, antecipa-se a resposta (céu aberto).

terça-feira, 28 de agosto de 2012

E se...


Vasculhando a vida, e isso é coisa de enxerido mesmo, surpreendi-me com as peripécias dos meus dias e notei, despretensiosamente, que não tenho nada do que me arrepender. Mas acalmem-se. Não disse que só fiz coisas certas. A conclusão a qual cheguei é a de que, no final das contas, todos os caminhos adotados, as escolhas feitas, as emoções vividas e tudo o mais tiveram serventia e valia (e continuam tendo).
Confesso que, no início das divagações, achei meio estranha assertiva de que de nada me arrependo. Entretanto, ainda no viés das especulações, brinquei de averiguar através da famosa brincadeira “o que teria sido se …” e logo percebi que:
Se eu não tivesse feito besteira, não tinha conhecido gente maravilhosa e importante no período pós-traumático.
Se eu não tivesse errado o preenchimento do cartão do vestibular, não teria a satisfação profissional que tenho.
Se não tivesse me incomodado com alguns conceitos e dogmas, não estaria na esteira da minhas busca do autoconhecimento.
Se não tivesse brigado com algumas pessoas, não descobriria o quanto são importantes para mim.
Se não tivesse exagerado na dose do crescimento, não teria mergulhado mais fundo.
Se não tivesse escutado a harmonia das canções, não teria aguçado o feeling para os acordes do mundo.
Se não tivesse tropeçado e me enganado em alguns sentimentos, julgando serem eles os mais puros, não seria eu a escrever este texto.
Enfim... Dentro de tantas conjecturas, o mais importante é que não houve espaço para que eu encontrasse uma razão de remorso pelos dias que até hoje eu vivi.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

AUTORES


Torno pública a notícia aos que me leem, que não sou o único responsável pelo que de minha pena nasce. Se o que dou vida é singelo, certamente provém das vozes dos céus que cultivo. Entretanto, em parecendo nefasto o que expresso, advém do que compartilho com o breu que em mim também habita.

Sim! A mais pura verdade. Uma vez humano, vivem em mim luz e sombra, que longe de serem culpadas da co-autoria de minhas linhas, são o respaldo daquilo que sou. E, nas bifurcações que me angustiam, elas não se anulam. Ao contrário, complementam-se denotando de forma mais objetiva ainda a configuração de mim mesmo.

Eis que aqui estou, vitral das cores quentes e frias, primárias, secundárias e tantas outras vezes terciárias (o cúmulo – e acúmulo – das misturas). Mosaico este que a uma certa distância permite ao observador distinguir o desenho que de perto, bem de pertinho, é quase indecifrável. Ainda bem que é “quase”. O que revela, então, a possibilidade de interpretação. Levará tempo, não resta dúvida. Escoará mais e mais areia nessa ampulheta da vida, mas haverá sempre a tentativa de me entender. Sigo!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Suspensão

Dado a termos baixos acessos (quase nenhum) nas últimas semanas, ficam suspensos os textos.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Revoada


Olhando aquela dourada pequena jaula, viam-se amuados – ou talvez amontoados – os sentimentos. De quando em vez saltava um mais afoito para exercitar as asas ou mesmo ceder espaço para que outro pudesse espichar as suas.
A menininha, apiedando-se dos aprisionados, engendrava um plano para dar fim àquele sofrimento.
Sorrateiramente aproximou-se e levantando a tranca deixou entreaberta a portinhola.
Bateram em revoada. Cada um dos sentimentos que passava rumo à liberdade dava uma paradinha na abertura, olhava pra um lado, olhava pro outro, tentava entender qual a melhor direção e partia. Foi uma enxurrada de atropelos. Cada um dos ex-detentos queria o mais rápido possível a nova ambientação, mais espaçosa e mais instigante.
O que lhes espera lá fora ninguém poderia ter certeza e a única maneira de saber era lançando-se à empreitada. Haveria um tempo de readaptação. Deveriam contar com isso para não acharem que esse “outro mundo” não era o mais adequado ou mais assustador. A verdade é que toda nova experiência requer cautela. Entretanto, salutar dizer que se esquivar, voluntariamente, de uma chance é acovardar-se. Não estamos falando das inconsequências tolas dos arvorados. Referimo-nos, aqui, sobre a capacidade de se auto-medir e gerenciar o inusitado como forma libertadora dos marasmos habituais e cansativos.
É tempo de buscar dar mais amplitude (e amplidão), mesmo porque só sabe o seu limite quem se permite entender. Bom exercício este, não? Você se inscreveria nessa tarefa?

terça-feira, 3 de julho de 2012

Guru Purnima


Rasgavam a escuridão da noite as luzes das estrelas que, serpenteando o céu, abriam caminho para que se elevasse, imponente, a luz cheia. Sentado à beira do riacho, o menino Ganapati movia em círculos, com seu pequeno dedo, as águas cintilantes. A mirada fixa no movimento deixavam entrever, no brilho dos olhos, que era noite especial.
O coração havia descoberto que a paz ali sempre fizera morada e que o cansaço das muitas caminhadas no intento de encontrá-la teve fim quando reconheceu em si mesmo o oásis da vida.
Naquele intervalo dos afazeres, os lampejos das empreitadas iam e vinham de sua mente. Rememorava a quantidade de vezes em que suplicou à existência para que ela lhe mostrasse o caminho. “Onde mais posso buscar?” Parecia um deserto sob cálida temperatura ou um estéril terreno o movimento de atingir a imorredoura sensação da eternidade. Nem mesmo a sombra da morte parecia-lhe, em outros tempos, a solução adequada. Ouvira dizer, inclusive, que interromper o próprio alento era postergar a solução da redenção.
Quanto mais revivia a peregrinação, mais o movimento da mão submersa na correnteza formava desenhos simétricos. Respirava com a tranquilidade de quem conquistara a vitória sobre si mesmo. Ganapati era agora sereno e recompensado.
Deitava sobre o jovem alongadamente recostado na relva a luz do luar, prateando a vida de quem sabia, na alma, que havia encontrado o dissipador da sua ignorância. É noite de Guru Purnima, Hare!

terça-feira, 26 de junho de 2012

Papel e vento


Sentado sem muito tino e nem destino, deixei-me levar pela brisa que brincava com um despretensioso pedaço de papel. Nada se interpunha entre os dois, fazendo com que trocassem favores: o vento exercia o seu poder de levantar peso, enquanto o papel usufruía da força alheia para voar. Assim, em uma simbiótica relação de aproveitamento, lá iam eles!
Um não se sentia mais usado do que o outro. Não era disputa. Era simplesmente a ocasião. Sábia relação!
Tolos são os papéis ou os ventos que se digladiam ou se exigem mutuamente, chegando ao cúmulo de se apoquentarem. Não desfrutam do tempo, não aproveitam o momento, amofinam-se e se ressentem. Perdem-se e jamais recuperam a chance do deleite.
Já alto vão os entrelaçados em uma inaudível permissão que os faz livre. Não a liberdade mal interpretada de se andar sozinho, mas a sensação interna que os liberta das cobranças. Seguem soltos consigo mesmos. Razão pela qual podem ser felizes. Tornam-se, pouco a pouco, um ponto no céu cada vez tão mais diminuto que chega a desaparecer de minhas retinas.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Anjo e demônio

A rima é pobre, mas o sentido é nobre!


Disfarça ou mente
quem diabo não se sente.
Aureola que nem sempre
se mantém reluzente.

São pouco inteligentes
aqueles que desejam ausentes
firmarem-se como inteligentes
na falácia das correntes.

Ao contrário, revelo-me valente
ao reconhecer humildemente
que não só em mim querubim presente
vive também o Mal insistente.

Não há discurso convincente
que me ponham na mente
que existam homens eterna e somente
benéficos, presentes e prudentes.

Mais vale a verdade que movimente
as luzes e sombras intermitentes
do que sou absolutamente
Anjo e demônio ambivalente.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Paisagens e sensações


Houve um acordo tácito entre mim e o tempo nesses dias passados. A trégua teve sua razão. Além de merecê-la, talvez eu sucumbisse, caso não estabelecêssemos o acordo. Paramos os ponteiros do relógio (ou ao menos fizemos com que eles andassem mais lentamente). Tanto foi que, em alguns momentos, não sabia nem o dia e nem a hora em que me encontrava.
Aceitas as condições que favoreceriam a ambos, caminhei como peregrino do acaso. Juntei-me a outros três andarilhos naquelas paragens, ganhamos liberdade!
Pisando estradas e picadas recoberta de cristais, sentimo-nos enormes como quem sobrevoa acima das estrelas. Vimos poeira cósmica, ganhamos terrenos e, entre rochas lunares, mergulhamos em poços translúcidos. Cansamos o cansaço. Vencemo-lo!
Embrenhando-nos em nossa própria capacidade de superar, recuperamos nossas forças em tonéis de nascentes aconchegantes. Ali suspiramos e nos deixamo ficar. Fugiu-nos completamente a noção da sequência dos segundos, minutos e horas. Tais tiranos foram embora!
Gargalhamos não pela obrigação da simpatia, mas o que sim em nos jazia era a pura simpatia de sermos nós mesmos. Potentes, frágeis, eloquentes, ousados ou tementes, éramos, na verdade, autênticos!
Florestas de crenças suprarreais, céus coalhados de histórias (ouvimos muitas), riachos e cascatas que geravam melodias enebriantes (por elas fomos envolvidos). Permitimo-nos este presente.
Olfato aguçado, distinguimos perfumes e incensos. Olhares atentos, vimos detalhes inesperados e vida pulsante. Paladar avivado, saboreamos a simplicidade e comemos manjares. Tato alerta, tocamos formas e percebemos diferentes texturas. Ouvidos abertos, distinguimos ruídos e escutamos o som do mundo. Um espetáculo sensorial para além da explicação.
Eis pois, aqui, nobres e valorosas almas para sempre!
Terminado o contrato, voltou a ampulheta a nos cobrar o compromisso do tempo! Entretanto, não nos restam dúvidas: valeu a pena!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Mesclagem


Trupiquei no emaranhado das linhas do tempo, não por distraído ou desatento. Mesmo não querendo ser enredado, acabei caindo nas tramas daquele novelo multicor. P'ra me livrar tentei de tudo, soprei o embolado tal qual me ensinara, certa vez, minha tia-avó. De nada adiantou, estava trucando. Busquei entender a lógica antes de empreender a tarefa de separar cada fio. Foi em vão! Logicidade, se havia, não era p'ro meu entendimento.
Parei de relutar p'ra não cansar. E sabe que começou a acontecer o que eu temia? Acabei me acostumando. “É a convivência!” Alguns diziam. Outros, mais sarcásticos e derrotistas, bradavam “Tem jeito não. Abre mão de fazer força! Deixa de ser bobo (p'ra não dizer otário)”
Ali, aboletado, quase estatelado, no chão. As linhas passavam por cima de mim da forma como elas queriam e sabiam. Não estavam nem aí p'ra mim. Nem permissão me pediam. “Com licença” então, nem pensar!
Recuperando o fôlego da peleja, iniciei meu processo de indiferença para com elas, até que, refeito do susto, apoiando-me em mim mesmo, ergui-me e de soslaio controlava qualquer movimento que aquele bobolô pudesse ter na tentativa de me derrubar novamente. Pé-ante-pé, levantei-me. Arriscava um passo, outro, mais outro e, ainda, mais outro até que, numa distância considerada razoável, bati em retirada.
Tempo,tempo tempo, vocês podem até me pegar n'outra esquina. Mas que vão ter trabalho, lá isso eu garanto!!

terça-feira, 29 de maio de 2012

O norte


Mergulhando a agulha, deixei-a se conduzir pelo próprio instinto de buscar o seu norte magnético. Rodou p'ra lá, rodou p'ra cá e depois de tantas piruetas que fez, aprumou-se!
De pouco adiantaria (energia improdutiva) tentar colocá-la logo de cara na direção correta. Dois motivos me fizeram abrir mão da tarefa: o primeiro porque correria o risco de não a posicionar exatamente na linha certa (seria energia gasta desnecessariamente) e, depois, quer eu fizesse o esforço que fosse, gastasse o tempo que gastasse, uma hora ou outra, ela, por si, encontraria o rumo (teria sido mais esforço sem necessidade).
Se a lei da natureza diz que a imantada aponta para o norte, pergunto: por que desperdiçaria o meu tempo (que já nem é tanto assim) para algo que iria p'ro lugar correto, independente de minha vontade? Ainda há os que, afoitos, nem se dão conta de que poderiam investir seu escasso transcorrer das horas em coisas mais eficientes e menos previsíveis.
Deixem que eu deixe a agulha lá tentando ela própria seguir o seu destino.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Fio da lâmina


Atravessou como flecha o peito da noite a luz da lua.
Raio afiado pelo vento do desejo,
esmerilhou a lâmina certeira e zás!
Alojou-se entre as tramas das estrelas
fazendo verter candente rastro de brilho.
Nascia assim a vida dos amantes.

Ecoou no tempo o vácuo do espaço,
Transformando em movimento,
O suspiro dos pulmões dos que se entrelaçam
No “acordo mudo com tudo”!

Deixai, ó inspiradoras deusas da completude,
que eles se desgastem pela permissão, que ambos se concederam.
Não os observeis e, muito menos, não os cerceeis a liberdade
Do calor que deliberadamente optaram por gerar.

São cúmplices do hiato, conceito de tempo que significa existência.
Instante, eternidade, fugaz ou perpétuo.
O que importa não se mede nas areias da ampulheta.

Sagazes são aqueles que intensamente sangram a arte de amar!

terça-feira, 15 de maio de 2012

A lição de Subramani


Subramani passou o tempo necessário e exigido pelas normas do mosteiro a estudar e a aprender a conviver com o seu próprio silêncio. Quantas vezes lhe doeu na alma o esforço de calar a voz da mente. Sua dedicação suplantava os incômodos ocasionados pela austeridade. Entretanto, antes de compreender de forma mais ampla os objetivos da formação, ele fora assaltado algumas vezes, em determinados momentos de sua preparação, por pensamentos tolos: “Quem estaria dentro da minha cabeça para saber que estou pensando? Relaxava e se despreocupava naquelas “folgadas estripulias” da mente. Invariavelmente, surgia ao seu lado algum monge mais velho e a reprimenda era certa! “Pare de pensar, Subramani!”

“Mas como é possível que ele saber que eu estou pensando?”

“Caro Mestre, o senhor lê mentes?” perguntava inocentemente o aprendiz.

“O dia que receber sua ordenação terá compreendido como se faz. Nada de leitura de mente, meu jovem... nada disso! Tudo a seu tempo.. Você aprenderá.”

Seguiram-se os anos e todo o tempo das lições trasncorreram até que chegou finalmente o dia de receber na fronte o sinal carmim das cinzas monásticas. O preparativo era lento, mas transparecia no ar circundante a alegria do dever cumprido de todos os envolvidos. Jejum, abluções e muita oração completavam aquele dia especial.

O som sagrado initerruptamente ecoando pelo saguão anunciava o início do evento. Entraram todos os mantos alaranjados, contritos e serenos. Terminada a saudação ao Grande Senhor do Templo, ornado de uma guirlanda vermelha e branca, o silêncio fez morada.

Tudo se orquestrava sem nenhuma palavra. Inclusive o instante em que Subramani surgiu no corredor central à porta do salão. Parecia que seus pés não tocavam o chão no deslocamento em direção ao sacerdote que oficiava a cerimônia. Em um clima de profunda paz, os traços paralelos foram feitos na fronte do noviço. Do canto dos olhos duas pequenas e brilhantes lágrimas corriam em sinal de júbilo por haver chegado à meta. Estava pronto e ordenado. Rompendo o silêncio, o monge mais antigo, mesmo com um tom suave, revela a última prova:

“Jovem Subramani, olhando para todos estes irmãos aqui sentados em meditação, diga-me, qual deles está pensando?”

Tomado pelo susto, pois ninguém lhe havia dito que passaria, em público, por aquela provação, o recém-monge enguliu em seco e sem poder perguntar nada, observava a tensão no ambiente a espera de sua resposta. Assim, movendo no seu íntimo tudo que poderia estar armazenado e que lhe serviria de base para a resolução do mistério, voltou o seu corpo compassadamente e observando a cada um, após algum tempo, apontou para um dos monges.

“E como você sabe que aquele monge não está com sua mente vazia?”

“Simplesmente porque percebo que, ao contrário dos demais, ele tem movimentos faciais mais intensos. A testa se franze, ainda que levemente. O canto dos lábios se elevam involuntariamente. São detalhes mínimos, mas são os únicos indícios que consigo detectar.”

“Muito bem, Subramani. Eis o seu maior ensinamento: O olhar, janela da alma, quando está atento consegue desfazer as fronteiras entre o visível e o impalpável. Só a mente quieta é capaz de enxergar a plenitude a ponto de 'ouvir' o silêncio e distinguir das confusões dos levianos pensamentos. Leve consigo esta lição e seja feliz em sua missão de tocar os homens com a sua paz! Vai e cumpra com o seu prarabda-karma.”

domingo, 6 de maio de 2012

Série Binômios - I

Série Binômios –  I
Nem todo homem moral é ético. O primeiro cumpre com as convenções (e pode cumpri-las muito bem), mas isto não significa dizer que pensa de acordo com o que faz.  O ético certamente vive muitos conflitos por estar a todo instante pesando e sopesando a realidade circundante e o mundo interno das suas convicções. O moral move o mundo quando o ético coincide com ele. O ético tem que gerar uma força gigantesca para acionar as mudanças quando o ser simplesmente moral não fala a mesma língua que a sua.
O humano ético não se decepciona no que o alimenta, ele se dilacera, sim, ao se ver em situações discrepantes e aviltantes. Não muda a ética, mas silencia a moral. Ao contrário, o agente moral, se não se der conta da natureza ética, pode infringir as regras internas sem que com isso se sinta condenado. Pode, inclusive, não fazer por mal, mas pode ocasionar o mal a outros.
Uma peleja se dá quando o homem moral percebe que deve dar ouvidos à ética e, por consequência, tem que reformular a sua visão de mundo. Ferir-se não seria uma surpresa, mas estará, com absoluta certeza, no escopo da evolução. Em outras palavras, o moral dará lugar, mais cedo ou mais tarde, ao ético. Não vale, portanto, a pena sofrer: reconfigure-se!

terça-feira, 1 de maio de 2012

Exigências alheias

É duro quando as exigências do mundo lhe colocam contra a parede e você se vê forçado a atender às solicitações. Não se trata de uma revolução ou rebeldia diante do cotidiano. Não é um protesto nem, muito menos, o cruzar dos braços para as ações que devem ser empreendidas. É, somente, um desabafo e talvez, quem sabe, um convite à reflexão.
Mas a questão é – e ninguém pode duvidar – que por vezes gostaríamos de não ter que cumprir com as requisições, com as cobranças e com as necessidades outras e de outros. Como dizem os poetas: arre!!!!
Sem muita escapatória lá estamos a exercer a função de atendente das urgências alheias. Sim, urgências sim! Para o outro, as suas querelas são sempre “p’ra ontem” e ai de nós se não estamos prontos a ouvir e agir em benefício de quem nos clama. Somos mesquinhos e indiferentes ao gigantesco problema que lhe aflige. Estamos tão frios que somos incapazes de enxergar o imenso maremoto onde se encontra o solicitante. Verdadeiramente somos maus.
Pois quem de nós aqui nunca sofreu desta acusação? Quem, entre todos, não se deixou levar pelo alarido e terminou por se redimensionar na tentativa de auxiliar a quem, na descrição dos atos e fatos, criou quimeras sem tamanhos?
Então, meus nobres, hoje, não serei surdo aos apelos, mas confesso, de antemão, que não estava com a menor vontade de escrever. Entretanto, aí vai mais um devaneio.
Lembre-se: não se deixe cobrar tanto. Não porque a cobrança perca seu sentido, mas recorde-se sempre da sua condição também humana de falhar, não por ansiar o erro, e sim por se dar conta que não somos competentes de gerir socorro cem por cento do tempo, até porque, cá entre nós, nem de tempo entendemos.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Teatro de Operações


Sempre pronto o campo de batalha. O vento só espreita a chegada dos que ali lutarão! Independente de ser sol escaldante, noite fria ou dias chuvosos. De um lado, o que vive externo de mim, do outro, o oponente interno de mim mesmo. O primeiro grita pelo que lhe circunda e tenta minar a sua fortaleza. O outro silencia entendendo que a economia das forças é a aliada para a vitória. Aquele que é sempre percebido pelos olhos de terceiros tem que captar o mundo circundante e dar conta dele. Abate-se algumas vezes com as questões e as vicissitudes. Compreende que nem tudo é perfeito e inclusive treme diante de tamanhas complicações.
O outro, aquele mais fechado e ensimesmado, esforça-se por se manter em paz.
Lá fora, o vendaval redesenha os contornos, refaz os projetos, derruba as certezas, em fim, constrói o irregular e não abre mão de manter o previsível. Por sua vez, o combatente interno municia-se para não crer nos solapos exteriores. Sabe que a paz não é o resultado dos conflitos e esforça-se em se manter de pé.
Lá um “eu” sacudido pelas intempéries. Aqui outro “eu” ciente de que nada do que é gerado no plano da matéria é capaz de ser a condicionante do equilíbrio. Só me faltava essa: ter que consolar o meu debatedor a todo instante e, no final das contas, carregá-lo para o meu universo. Não há como retroceder nem pode vacilar a mão que ergue a espada do bom combate! Viva o exemplo Arjuna.
Vamos a isto então!

terça-feira, 17 de abril de 2012

Dream, problems and happiness


Em hipótese alguma, desmereço ou deprecio Martin Luther King, mas rearrumaria a sua célebre colocação: I have a problem! Ou melhor, I have some problems! Sim... não são todos os problemas, mas alguns. São justamente eles que me fazem complementar a filosofia “lutherkinguiana” de poder ter sonhos.
O que seria da vitória se eu não tivesse enfrentado os obstáculos? Não reconheceria (e não saberia diferenciar) o gosto da conquista da complacente morosidade dos dias sem vigilância. E olha que não são desculpas esfarrapadas do conformismo dos atribulados. Não, não são! Acredito mesmo que a graça da vida está na suplantação. Parece jargão, porém, a vida humana não existe se não existem as complicações. Na história deste nosso planeta, apontem-me um só ser vivo que não tenha tido dificuldades para transpor? Se suplantou é outra história! Mas que as teve, ah, isso sim... teve.
Não adianta se esgueirar de uma ou de outra barreira, porque, no final das contas, sempre surge alguma até então insuspeitável que lhe espreitava. Não estou fazendo a apologia do caos na existência. Quero somente deixar às claras o estado de consciência que tenho para “matar meus leões” a cada dia, sem que com isso esteja arriscando a minha felicidade. Não poderia ser feliz pelo que não enfrento ou me esquivo. Esse ânimo de viver não pode estar atrelado aos percalços que a limitação do mundo das relações cria. Em outras palavras, ser feliz é “apesar de”. Felicidade não se restringe ao que se tem ou ao que não se conseguiu adquirir.
Lenta luta leva longe longas longos legados. Este é o resumo de viver: somos um somatório de tudo que aprendemos, e se tal batalha é que conforma o guerreiro, a experiência jamais será retirada da carne dos que combateram. Por essa razão, King, my King... I Have some problems e sou feliz.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sombra esmaecida


Soou forte, no vento, o estrondoso mote: A morte!
Se quis assustar-me, perdeu a oportunidade, pois não é de susto que eu a alimento.
O meu intento é revertê-la, muito mais do que sorvê-la!
Se queria a sombria manceba palmilhar os centímetros das vidas, aviso-lhe, logo de supetão: não será comigo então!
Vou léguas distantes e no murmúrio do silêncio restante, ouço uma risada amarela e pouco vibrante. Pobre coitada: não mais galopante.
O seu empenho não me refreou o ímpeto, nem ao menos paralisou a consecução dos meus dias.
Se objetivava confundir meus conceitos a respeito, alerto: esmaeceram os esforços!
Descreditei, desde há muito, de sua consistência e por conseguinte não a abraço mais.
Respeito a falência da matéria, calo-me na dor do afastamento, mas, em nenhum momento, dou por findada a tarefa de seguir vivendo.
Mudam os aspectos, os movimentos e as possibilidades, porém, mantêm-se as opções de permanência. E com nenhuma indulgência, liberto-me da dívida do luto para seguir impoluto no contrato divino de seguir existindo através do tempo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Voltar a fazer


Tenho vivido um dia por vez. Em algumas oportunidades mesmo surpreendido pela minha ansiedade, vejo-me atado às circunstâncias da inevitabilidade do tempo. Reajo externamente, exponho o incômodo através do verbo, mas passado o instante dos acontecimentos, percebo que é inútil gritar. Melhor e mais sábio, para a sobrevivência da paciência, é ficar calado. Mas quem consegue?
Insisto, desisto, suspiro, deliro... meu mix de emoções encontra eco na alma e desfaleço como estratégia inconsciente. Talvez para me manter vivo – play no off : desligo!
Taxativo mesmo, mesmo, nem a morte consegue ser! O destino, este sim, é a sorte de quem encontra resposta para as perguntas que não fez!
Encampa-me a lúcida estupidez de investir novamente no esforço da clareza, que encadeado pelos pensamentos vai costurado pela linha do contentamento de que vale a pena tentar. Agora é sério. Será só desta vez, prometo (até a próxima)! Não tomo jeito!

terça-feira, 27 de março de 2012

Destruição e Reconstrução


Não que a ave grega não tenha seu valor pela imperiosa força de renascimento. A questão focal não é esta. Obviamente que a oportunidade de recomeçar é sempre bem-vinda e reflete uma espécie de concessão supra-real (divina, se quiserem assim chamar) para todo ser vivo.

Entretanto (o que seria do mundo se não houvesse o “entretanto”?), a faculdade de renascer não é espontânea. Advém de uma “ignição” muitas vezes desprezadas por parte dos que olham somente o resultado e se esquecem do processo. Em outras palavras – para não nos acusarem de herméticos –, nenhuma fênix assim seria chamada se não houvesse o fogo que a consumisse antes. Nossa ótica, quanta vez capenga, não consegue perceber que aquilo que “destrói” tem função restauradora e oportuniza o crescimento. Só há espaço para outras chances quando há uma varredura (otimização, se assim preferirem) do antigo. Caso contrário, corre-se o risco de virar amontoado a mesclar velhos, desnecessários, desgastados, finalizados com os novos, inéditos, refeitos e restaurados. Isto embaça a vista e colabora para que na confusão não distingamos (e tampouco escolhamos) entre o servível e o desprezível.

Eis então a função gratificante e importantíssima do fogo que consome e abre claros que garantem a existência da fênix como tal.

terça-feira, 20 de março de 2012

Transformação


Havia sorvido toda a água do mar com canudinho, deixando a flora e a fauna marinha na aridez das areias depositadas no que um dia teria sido as profundezas dos oceanos. Colaborou na tintura do cinza-chumbo do horizonte e de todo a abóboda celeste. Ceifou com maquinário afiadíssimo os verdejantes prados cultivados pelo tempo. Fez escorrer as lamas dos altos degelos de montanhas himalaicas. Fez abismos ao gerar sumidouros rasgando o solo sedimentado. Contaminou a perfeita combinação dos elementos químicos que, diziam, era chamado de ar puro. Distraiu a atenção que aproximava o ideal do real. Afastou o que foi possível e afastou-se. Enfim, tornou-se uma espécie específica da raça humana.

terça-feira, 13 de março de 2012

Subway

Lá ia eu, no dia de ontem, de metrô para o trabalho. Era cedo, apinhados de gente iam os vagões! Mesmo sonolento, peguei-me surpreso com a cena. Em um mundo globalizado, onde a necessidade de se falar a mesma língua (ou seriam linguagens?) parece ser o mote das questões, deparei-me com uns 50 % dos passageiros com seus fios brancos (ou pretos) que desciam de seus ouvidos. Simplificando: muita gente estava ensimesmada escutando alguma coisa nos seus fones. Curioso e patético, ao mesmo tempo, era ver como ninguém se olhava, nem mesmo percebia a presença do outro. Comecei a brincar de ver. Um estudante (deveria ser) com sua bolsa surrada, com a alça que cruzava o peito, batia na perna como se guitarra tocasse. O jovem new-office-boy (pela camisa de listras de mangas dobradas) balançava a cabeça no que o ritmo lhe ditavam diretamente no cérebro. A garota do top amarelo, preocupada em consertar a postura para não mostrar mais do que já se estava vendo, tinha os tampões nas orelhas, mas era como se nada a obstruísse. E assim, uma sucessão de caras e bocas, todas com a possibilidade de nada interagirem devido à desculpa dos auriculares.
O silêncio, vez por outra, era interrompido pela “próxima estação” (next stop) ou pelo celular insistente de uma senhorinha que, meio surda, gritava para quem estava do outro lado do aparelho (e para nós também) que iria chegar para o almoço!
Que mundo é este onde a façanha tecnológica afasta os homens? Não haviam criado desde as revoluções industriais, cibernéticas e tantas outras um modo de aproximação?!
Será então – pensava eu – que no tempo das liteiras, da mesma maneira, não se comunicavam os que eram carregados para lá e para cá?
Ó São Tablet dos Modernosos, Santa Ipad dos Apressados, Nossa Senhora do MP3, 4, 5, 6, 7 e quantos mais, sei lá! Valei-nos! Desci na estação e, provavelmente, nem me viram!

terça-feira, 6 de março de 2012

É noite lá fora (II)


É noite lá fora... é noite lá fora....
Mas aqui dentro, na claridade do meu dia,
Eu vejo homens de areia fraca
Que escorrem inexoravelmente
Pelas ampulhetas do tempo.
Desfeitas... Descompostas...

É noite lá fora.
Retoma-se o fluxo,
Redobra-se o esforço.
Atento a planos seguros,
Seguimos na atitude
das mãos estendidas.

É noite lá fora

E no arroubo do momento,
Faz-se a compreensão exata da forma
Onde as labaredas da razão
Não arrefecem o incêndio
Da claridade do meu dia.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Dama de Copas


Um tanto quanto afoita e gananciosa, achando que o empenho das ações a faria mais poderosa e assistida, certa feita, a Dama de Copas resolveu garantir a plenitude de sua estabilidade e segurança afetivas. Com o ardil da rapidez, recolheu os ícones dos quatro naipes existentes e providenciou um afiado estilete que, com precisão cirúrgica, abriu em cruz os desenhos de Paus, Ouro, Espadas e Copas. O resultado era previsível: cada forma estava agora composta por quatro pedaços. Tomou para si um quadrante de cada naipe e, juntando-os, “inventou” um novo símbolo. Estava criado um novo naipe seu. Só seu!
Era hora de aproveitar a genial ideia. Entretanto, como o nascimento era fruto de um esquartejamento (ainda que havendo aproveitado o que cada um tinha de mais harmônico), não encontrou a pobre senhora eco entre os demais integrantes do baralho. Não havia nas redondezas nenhum outro modelo que pudesse se aproximar daqueles contornos. Nem mesmo ela estampava a inédita heráldica em sua bandeira!
Se anteriormente afastara-se dos seus e desdenhara o restante, tudo em prol de uma necessidade que não mediu as consequências, agora jazia solitária. O desfecho não foi outro a não ser entristecer-se em seu isolamento da tentativa de um ineditismo que não encontrou parâmetros. Entendeu, na dor da própria carne, que a felicidade não é necessariamente a exclusividade ou a novidade, mas sim, a forma como se reinventam as possibilidades do que se tem na vida!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A cartomante

Um amigo me contou uma história que vale a pena repassar.
Chegou o dia marcado em que a cartomante não mais pertenceria ao mundo dos vivos. Passados os primeiros momentos da tonteira inerente a quem atravessa a fronteira das vidas, recuperado o fôlego e o equilíbrio da visão mental, eis que ela se deparou com a cena funesta e escura do entorno. Achando que ainda não estava totalmente aprumada, pensou consigo: “Tenho que esperar um pouquinho mais até que eu possa vislumbrar minha nova morada.”
Grão a grão, escorreram as areias do tempo até que ela se deu conta de que não havia mais o que esperar. Era aquela mesma a imagem, era aquele mesmo o local.
Estarrecida (para não dizer assustada) foi em busca de alguém que pudesse lhe explicar o que estava acontecendo. Encontrou-se com uma figura esguia, vestes acinzentadas e pés descalços.
“O senhor poderia me dizer onde estou?”
“Ora, ora... No limbo!”
“Como assim? Impossível! Antes de iniciar esta viagem eu consultei para mim mesma as cartas e, segundo o jogo, vi asas na minha vida. O senhor tem certeza de que estou no lugar certo?”
“Minha filha, para se viver de interpretação, além da experiência que os anos trazem, não basta a intuição, há que se ter isenção. Você viu asas e achou que isto significava céu?”
“O que mais podem representar asas a não ser anjo?” Falava indignada a cartomante.
“Por acaso você via anjos?”
Ela balançava negativamente a cabeça.
“Asas soltas, no seu caso, são as que caíram. Assim como alguns seres celestiais que perderam as suas e tiveram que passar por aqui, devido à descrença ou mau uso de seus dons, alguns seres humanos também perdem suas chances de crescimento e precisam de mais um tempo de aprendizado.”
Cabisbaixa, deu as costas para o porteiro e desanimada caminhou em direção à nova oportunidade de crescer.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Estátuas na areia


Em meio à paisagem um tanto quanto árida, destacavam-se duas belas estátuas do mais raro mármore. O esmero das formas mostrava os detalhes dos contornos e era possível crer na realidade da representação. Estavam uma defronte a outra a se olharem.
Os que por elas passavam admiravam o trabalho do escultor, bem como prestavam atenção nos motivos que as colocaram ali.
Na rapidez das mudanças inesperadas, sobe o pó das areias nas asas da ventania que transforma a paisagem em um único tom bege sem nenhuma outra forma ou cor. Ninguém consegue ver nada mais!
Cada uma das minúsculas pedras acabou tornando-se cruel esmeril a bater fortemente em ambas as estátuas. Uma permaneceu, em grande parte, em sua forma original, somente cravejada dos pequenos estilhaços, mas era possível reconhecê-la como antes. A outra, à medida em que era atingida, soltava fragmentos de sua película mais superficial e revelava, aos poucos, outra base interior. No final, descascada, era completamente outra imagem.
Baixada a agitação da poeira, a cena ressurgia. De um lado, a primeira escultura que, apesar de um tanto quanto mais porosa (devido ao polimento forçado), mantivera os mesmos contornos e feições. A segunda, já não mais na posição que fora colocada inicialmente, encontrava-se de costas a observar uma outra imagem em pedra que surgira após haver cessado o caos.
Entretanto, eis que surge, voraz e inclemente, no horizonte, outra névoa sólida que, na esteira do ar, torna a cobrir todo o cenário! Restava às estátuas esperar passar o torvelinho.
Arrefecidos os ânimos dos Senhores do Tempo, descortinava-se diferente palco. Aquela imagem que fora descascada anteriormente jazia solitária. Perto não estavam nem sua primeira companheira, muito menos a outra que surgira (sabe-se lá de onde). Não passou de miragem e como tal era magnífica, mas volátil. Tão impalpável como improvável.
Rescaldo de quem se deixara-se enganar pelos olhos do corpo e, advindo da tolice encantatória, findou os dias cega na alma!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

É noite lá fora!


O único intruso do mundo era o feixe prateado que, entre as brechas das distraídas cortinas, entrava tal como flecha de luz. Era pontual. Tocava uma nesga do solo e brilhava como um espelho de pequeníssima poça d'água. No mais, não havia nem ponteiros e nem metragens. Desapareceram as linhas encarceradoras do tempo e do espaço. Estávamos dispensados deles.
O ar, cravejado de diminutos sons arfantes, oferecia-se para nutrir as possíveis necessidades de ser alimento para o transcurso dos instantes (se dele precisássemos). A superfície que nos sustinha, disposta em uma maciez desalinhada de formas, não requereria reparos, pois se orgulhava de ser a testemunha das ondulações que singravam os mares bravios que buscávamos mutuamente. Houvesse olhos a observar notariam, vez por outra, duas sombras a se entrelaçarem. Entretanto, na grande maioria do ambiente, só se percebia uma única forma a se mover e a produzir a preciosa pedraria que brotava das superfícies (resultado dos movimentos e do ritmo instaurado). Apesar de salobra, era feliz.
Fadiga - vocábulo inexistente enquanto houvesse a crença de que ali reinava o desejo das descobertas – não fez morada. Palmo a palmo, os milímetros percorridos, os sulcos abertos, as clareiras atravessadas, tudo era motriz para a permanência inalterada das proibições de uma invasão temporal. Estancou-se o filete da areia dentro da ampulheta.
Por fim, nos primeiros indícios de alvores do novo dia, ali jazíamos, no nosso hiato das limitações, a nos regozijar pela recompensa do merecido descanso de uma eterna noite amando-nos.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

No nascer do dia


Borbulhavam as espumas do mar, não pela agitação ou violência além do normal. Rompiam os limites de longe, chegando até a tênue linha entre as derradeiras ondas e a areia, e ao arrebentarem das alturas traziam consigo a melodia produzidas do mais recôndito das conchas-tritões.
Uma dança mágica que a poucos olhos atentos entretém. O aroma suave marinho espalhado pelo ar, a coloração forte azulada, com os bordados brancos aperolados que parecem rosários desfiados por mãos habilidosas. Brisa suave a desenhar na superfície delicadas contornos espirais na harmonia do ambiente. Toda paisagem se vê emoldurada pelo fundo de tela rosáceo dos primeiros aventureiros raios solares.
Sentado ali no pequeno arrimo que serpenteia a praia, meus pés, roçando o espelho d'água e meus olhos a fitar o horizonte, vejo leva-se das brumas de minhas lágrima a figura esquia e bela, coroada pelo divino existir. Sussurro para mim e ela me ouve: “Odoyá!”

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

As asas para voar


Ao abrir a porta, tropeçou num pequeno ninho. Agachou-se, fitou espantado e curioso ao mesmo tempo. Quem teria colocado ali o amontoado de palha? Havia dentro um diminuto pássaro, assustado e faminto. Levou para dentro o “pacote” (perdido, deixado, esquecido, nunca soube). E aí teve início o cuidado e a atenção. Correram os dias e a avezinha ganhou confiança e disposição. Plumagem cheia e reluzente, seu voo era planador e soberbo. De longe ouvia-se o seu trinar de alegria e segurança. Havia encontrado guarida e amor. Na esteira do tempo, a notícia da relação estabelecida entre o menino e o seu pássaro se espalhou. Muitos para lá acorriam com o intuito de admirar o espetáculo criado entre os dois. Era bonito de se ver.

Entretanto, atrelado a repercussão e a fama que se espalhou veio o receio do jovenzinho, pois tamanha beleza poderia despertar a inveja dos olhos alheios e a cobiça de terceiros.

Decidiu então resgardar seu pequeno tesouro de todas as formas. Evitava o sol com muita intensidade. Embarreirava o vento, impedia o pó da rua, não deixava abertas janelas nem portas... E a cada dia pensava em uma forma a mais para proteger o presente caro. Forjou em ferro dourado a mais linda gaiola que já se teve notícia, com espaço imenso e conforto de comida, água e poleiros.

Pronto... não corria riscos de ver sua felicidade exposta ao perigo externo.

Certa manhã, uma das mais azuis que o dia poderia fabricar, como sempre em sua rotina, foi alimentar o seu pássaro. Abriu a portinhola e com o assobio de sempre anunciou o início da jornada.

Silêncio (…)

Novamente, chamou com ar que entre os lábios passava.

Maior silêncio produzido ainda após o silvo (…)

Num canto da reluzente jaula jazia inerte o aveludado animal, cansado de não poder ser que verdadeiramente ele era: um pássaro a voar.