terça-feira, 29 de maio de 2012

O norte


Mergulhando a agulha, deixei-a se conduzir pelo próprio instinto de buscar o seu norte magnético. Rodou p'ra lá, rodou p'ra cá e depois de tantas piruetas que fez, aprumou-se!
De pouco adiantaria (energia improdutiva) tentar colocá-la logo de cara na direção correta. Dois motivos me fizeram abrir mão da tarefa: o primeiro porque correria o risco de não a posicionar exatamente na linha certa (seria energia gasta desnecessariamente) e, depois, quer eu fizesse o esforço que fosse, gastasse o tempo que gastasse, uma hora ou outra, ela, por si, encontraria o rumo (teria sido mais esforço sem necessidade).
Se a lei da natureza diz que a imantada aponta para o norte, pergunto: por que desperdiçaria o meu tempo (que já nem é tanto assim) para algo que iria p'ro lugar correto, independente de minha vontade? Ainda há os que, afoitos, nem se dão conta de que poderiam investir seu escasso transcorrer das horas em coisas mais eficientes e menos previsíveis.
Deixem que eu deixe a agulha lá tentando ela própria seguir o seu destino.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Fio da lâmina


Atravessou como flecha o peito da noite a luz da lua.
Raio afiado pelo vento do desejo,
esmerilhou a lâmina certeira e zás!
Alojou-se entre as tramas das estrelas
fazendo verter candente rastro de brilho.
Nascia assim a vida dos amantes.

Ecoou no tempo o vácuo do espaço,
Transformando em movimento,
O suspiro dos pulmões dos que se entrelaçam
No “acordo mudo com tudo”!

Deixai, ó inspiradoras deusas da completude,
que eles se desgastem pela permissão, que ambos se concederam.
Não os observeis e, muito menos, não os cerceeis a liberdade
Do calor que deliberadamente optaram por gerar.

São cúmplices do hiato, conceito de tempo que significa existência.
Instante, eternidade, fugaz ou perpétuo.
O que importa não se mede nas areias da ampulheta.

Sagazes são aqueles que intensamente sangram a arte de amar!

terça-feira, 15 de maio de 2012

A lição de Subramani


Subramani passou o tempo necessário e exigido pelas normas do mosteiro a estudar e a aprender a conviver com o seu próprio silêncio. Quantas vezes lhe doeu na alma o esforço de calar a voz da mente. Sua dedicação suplantava os incômodos ocasionados pela austeridade. Entretanto, antes de compreender de forma mais ampla os objetivos da formação, ele fora assaltado algumas vezes, em determinados momentos de sua preparação, por pensamentos tolos: “Quem estaria dentro da minha cabeça para saber que estou pensando? Relaxava e se despreocupava naquelas “folgadas estripulias” da mente. Invariavelmente, surgia ao seu lado algum monge mais velho e a reprimenda era certa! “Pare de pensar, Subramani!”

“Mas como é possível que ele saber que eu estou pensando?”

“Caro Mestre, o senhor lê mentes?” perguntava inocentemente o aprendiz.

“O dia que receber sua ordenação terá compreendido como se faz. Nada de leitura de mente, meu jovem... nada disso! Tudo a seu tempo.. Você aprenderá.”

Seguiram-se os anos e todo o tempo das lições trasncorreram até que chegou finalmente o dia de receber na fronte o sinal carmim das cinzas monásticas. O preparativo era lento, mas transparecia no ar circundante a alegria do dever cumprido de todos os envolvidos. Jejum, abluções e muita oração completavam aquele dia especial.

O som sagrado initerruptamente ecoando pelo saguão anunciava o início do evento. Entraram todos os mantos alaranjados, contritos e serenos. Terminada a saudação ao Grande Senhor do Templo, ornado de uma guirlanda vermelha e branca, o silêncio fez morada.

Tudo se orquestrava sem nenhuma palavra. Inclusive o instante em que Subramani surgiu no corredor central à porta do salão. Parecia que seus pés não tocavam o chão no deslocamento em direção ao sacerdote que oficiava a cerimônia. Em um clima de profunda paz, os traços paralelos foram feitos na fronte do noviço. Do canto dos olhos duas pequenas e brilhantes lágrimas corriam em sinal de júbilo por haver chegado à meta. Estava pronto e ordenado. Rompendo o silêncio, o monge mais antigo, mesmo com um tom suave, revela a última prova:

“Jovem Subramani, olhando para todos estes irmãos aqui sentados em meditação, diga-me, qual deles está pensando?”

Tomado pelo susto, pois ninguém lhe havia dito que passaria, em público, por aquela provação, o recém-monge enguliu em seco e sem poder perguntar nada, observava a tensão no ambiente a espera de sua resposta. Assim, movendo no seu íntimo tudo que poderia estar armazenado e que lhe serviria de base para a resolução do mistério, voltou o seu corpo compassadamente e observando a cada um, após algum tempo, apontou para um dos monges.

“E como você sabe que aquele monge não está com sua mente vazia?”

“Simplesmente porque percebo que, ao contrário dos demais, ele tem movimentos faciais mais intensos. A testa se franze, ainda que levemente. O canto dos lábios se elevam involuntariamente. São detalhes mínimos, mas são os únicos indícios que consigo detectar.”

“Muito bem, Subramani. Eis o seu maior ensinamento: O olhar, janela da alma, quando está atento consegue desfazer as fronteiras entre o visível e o impalpável. Só a mente quieta é capaz de enxergar a plenitude a ponto de 'ouvir' o silêncio e distinguir das confusões dos levianos pensamentos. Leve consigo esta lição e seja feliz em sua missão de tocar os homens com a sua paz! Vai e cumpra com o seu prarabda-karma.”

domingo, 6 de maio de 2012

Série Binômios - I

Série Binômios –  I
Nem todo homem moral é ético. O primeiro cumpre com as convenções (e pode cumpri-las muito bem), mas isto não significa dizer que pensa de acordo com o que faz.  O ético certamente vive muitos conflitos por estar a todo instante pesando e sopesando a realidade circundante e o mundo interno das suas convicções. O moral move o mundo quando o ético coincide com ele. O ético tem que gerar uma força gigantesca para acionar as mudanças quando o ser simplesmente moral não fala a mesma língua que a sua.
O humano ético não se decepciona no que o alimenta, ele se dilacera, sim, ao se ver em situações discrepantes e aviltantes. Não muda a ética, mas silencia a moral. Ao contrário, o agente moral, se não se der conta da natureza ética, pode infringir as regras internas sem que com isso se sinta condenado. Pode, inclusive, não fazer por mal, mas pode ocasionar o mal a outros.
Uma peleja se dá quando o homem moral percebe que deve dar ouvidos à ética e, por consequência, tem que reformular a sua visão de mundo. Ferir-se não seria uma surpresa, mas estará, com absoluta certeza, no escopo da evolução. Em outras palavras, o moral dará lugar, mais cedo ou mais tarde, ao ético. Não vale, portanto, a pena sofrer: reconfigure-se!

terça-feira, 1 de maio de 2012

Exigências alheias

É duro quando as exigências do mundo lhe colocam contra a parede e você se vê forçado a atender às solicitações. Não se trata de uma revolução ou rebeldia diante do cotidiano. Não é um protesto nem, muito menos, o cruzar dos braços para as ações que devem ser empreendidas. É, somente, um desabafo e talvez, quem sabe, um convite à reflexão.
Mas a questão é – e ninguém pode duvidar – que por vezes gostaríamos de não ter que cumprir com as requisições, com as cobranças e com as necessidades outras e de outros. Como dizem os poetas: arre!!!!
Sem muita escapatória lá estamos a exercer a função de atendente das urgências alheias. Sim, urgências sim! Para o outro, as suas querelas são sempre “p’ra ontem” e ai de nós se não estamos prontos a ouvir e agir em benefício de quem nos clama. Somos mesquinhos e indiferentes ao gigantesco problema que lhe aflige. Estamos tão frios que somos incapazes de enxergar o imenso maremoto onde se encontra o solicitante. Verdadeiramente somos maus.
Pois quem de nós aqui nunca sofreu desta acusação? Quem, entre todos, não se deixou levar pelo alarido e terminou por se redimensionar na tentativa de auxiliar a quem, na descrição dos atos e fatos, criou quimeras sem tamanhos?
Então, meus nobres, hoje, não serei surdo aos apelos, mas confesso, de antemão, que não estava com a menor vontade de escrever. Entretanto, aí vai mais um devaneio.
Lembre-se: não se deixe cobrar tanto. Não porque a cobrança perca seu sentido, mas recorde-se sempre da sua condição também humana de falhar, não por ansiar o erro, e sim por se dar conta que não somos competentes de gerir socorro cem por cento do tempo, até porque, cá entre nós, nem de tempo entendemos.