N'outro
dia me perguntaram por que eu não escrevia sobre o cotidiano. Cá eu
a pensar em uma boa sentença que satisfizesse meu interlocutor,
transformei as minhas reflexões internas em palavras sonoras, como
se conversa fosse:
- Falar
do preço exorbitante do tomate ou do ranking que ele disputa
com a cebola. Discorrer sobre os monstruosos engarrafamentos da
Radial Oeste até que cheguem a Copa e as Olimpíadas que nos
livrarão das tensões geradas no volante e, talvez, venham a nos
redimir dos xingamentos pensados e ditos entre dentes no tempo
desperdiçado no mar de veículos que ferviam. Tecer elucubrações
sobre se o atentado na maratona teria sido muçulmano ou vietnamita.
Juntar-me às vozes dos que criticam a corrupção dos Poderes
instituídos pelo próprio voto, enquanto povo. Revelar a tensão das
mudanças contemporâneas que nos expõem, inclusive, quando estamos
dentro de casa. Ou ainda dizer que os realitys shows são
perda de tempo, mas no silêncio da porta fechada, o controle remoto
- “sem querer” - parou naquele canal.
E depois
de toda esta enxurrada de dia a dia, parei... respirei e sentenciei:
Deixe que a vida por si só se encarregue de comentar o que os olhos,
ouvidos e bocas já se arvoram na tarefa de anunciar. Que eu cumpra a
parte do descanso (tempo-hiato das angústias que percebemos). Deixe
que comigo permaneça a manutenção da ilusão de que vale a PENA,
gastar tintas de minha PENA não com as PENAS da dor. Muito mais
sentido terá usá-la como PENAS das asas altaneiras do meu delírio
libertador.
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