terça-feira, 25 de setembro de 2012

Da série "Pelas ruas" - 3

Longe de querer ser original (aliás, o que é original, caro Platão?), mas por ser extremamente útil, deparei-me com uma longa rua, limpa e reluzente em suas vitrines polidas de dourado. Temperatura amena e gente tranquila caminhando. Cada qual com o seu tempo, com seu mundo. Tantos mundos juntos, algumas vezes se esbarrando, mas tão separados e distantes.
Havendo chamado a minha atenção essa disparidade toda, notei, sei lá se por acaso ou envergonhado, o maltrapilho que numa beirada de um portal bem esculpido em pedra deixava-se estar.
Mendigava? Talvez! Mas o que? Não era o aspecto que afastava os transeuntes, pensava eu. Era, na verdade, o peso das próprias circunstâncias que os fazia cegos. Aquele homem acocorado era invisível!
Deixando que meus “alfarrábios” mentais me lembrassem a lição secular de que todos estamos ancorados no mesmo esteio da criação e que sem prestarmos atenção podemos estar sendo testados na observância desse ensinamento, retirei do bolso a pouca nota – que provavelmente valor que compraria uma madura manga – coloquei-a naquelas mãos endurecidas pelos tempo e segui o meu rumo.
Ainda insatisfeito pela perplexidade do alijamento a que todos submetemos a cada um, voltei meu corpo em 180 graus para olhá-lo mais uma vez e vi que ali ele não estava e haviam brotado em seu lugar as alvíssimas mil pétalas brancas que são o privilégio de assento de poucos escolhidos e merecedores no mundo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Da série "Pelas ruas" - 2


Um sério defeito que tenho (dos inúmeros que não me atrevo a listar) é estar mais ensimesmado do que de olho no mundo. E assim foi... caminhando “cá comigo, meus pensamentos” quando, ao dobrar a esquina, num movimento mecânico, “trupiquei” com a afoita e rápida guria que no susto do supetão só disse “uiu!”
Ela nem ia muito parar para me dar trela e nem ao menos satisfação do tropeço. E quase a espera da famosa frase “Pô, tio, não olha pra onde anda, não?”, aguardei no vácuo do silêncio incômodo nenhuma resposta ou retrucada.
Era ela a Menina-Surpresa (seu nome) que nos momentos mais inesperado aparece e “buuuuuu” nos assusta. E o coração acelera não por ser feia ou desforme.... ao contrário... pode até mesmo ser bela e jovem. O que acontece é que somos retirados da zona de conforto assim de golpe. Não é a Surpresa que nos assalta, somos nós mais distraídos ou acostumados com o entorno linear que esquecemos de, avant-gard, estar mais a espera de que as situações mudem. Refeito, aprumei-me e segui o caminho.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Da série "Pelas ruas" - 1


E lá vinha eu, descendo a ladeira, nem tão íngreme assim, daqueles dias em que você acorda e, meio sem gás, pensa que o melhor teria sido não levantar. Olhar nem cabisbaixo poderíamos dizer, pois os olhos não estavam direcionados... perdidos, talvez, na confiança de se ensimesmar. Quando, pelo golpe fortuito do susto, tropecei na jovem senhora que, na direção oposta, vinha tranquila e segura de si.
Ops, desculpe” foi o mínimo, com o máximo de esforço, que saiu em som. A contra-resposta, suave e segura, não longe do esperado “bom dia”, fez-me parar e, reconhecendo a vergonha do tranco, romper a barreira do meu cansaço. Iniciamos a conversa:
  • Olá.. Vejo que o senhor vai por aí, ir por indo...
  • De verdade, hoje nem indo mesmo vou. Se deslocamento é ir, só por isso estou indo.
  • Prazer. Paciência meu nome. Eu que encontro tantos desencontros, que esbarro em diversos colididos do próprio ânimo, sei o que me diz e o quanto isso lhe pesa.
E lá se foi ela, ladeira acima, deixando-me com a pulga atrás da orelha: É... quando o homem pensa que não será retirado da sua zona de inércia, eis que lhe atropela a sentinela das vivências escondidas nos mais recônditos porões de você mesmo! Paciência!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Prognósticos meteorológicos



Há os que olham um dia encoberto como sendo a tristeza das possibilidades. Mantêm-se tão fechados, como o próprio entorno, a anunciar algum iminente temporal. Assustam os que observam, criam tensões ao redor, provocam movimentos de busca de proteção. Cansam-se e fazem cansar. Enfim, significam somente o prenúncio do cabisbaixo tempo. Outros, por sua vez, nem mais otimistas, nem menos derrotistas, entendem que, para além das amontoadas nuvens, existe uma imensidão celeste, intocada e clara. Aferram-se a esta certeza e espalham a crença na espera de que o pardacento dia não persistirá. Nada permanece da mesma forma ad aeternun.
Escolher o lado em que se passa a frequentar dependerá exclusivamente do “tempo” que dentro de si se reconhece. Algumas vezes, deixando-se levar pelo maremoto dos “nublados”, outras tantas filiando-se aos adeptos do céu puramente azul.
Sem haver certos ou errados, tudo não passa de passos a serem dados em uma direção ou em outra: Se o que persiste no caminheiro é a dúvida, provavelmente se antevê o lado que selecionou (céu cinzento). Por sua vez, se na trajetória se escolhe a passada mais firme, do mesmo modo, antecipa-se a resposta (céu aberto).