terça-feira, 29 de novembro de 2011

Abre-se a cortina


Não dá para dizer que haja uma preocupação com a quantidade de assistentes na plateia que possa medir a ansiedade da atuação. Este não é o fator que gera o sentimento da apreensão. Da mesma forma, não é a condição da estreia que faz com que o coração bata aceleradamente. Em poucas palavras, tanto faz “casa cheia” ou bilheteria zerada, primeira apresentação ou a derradeira, a questão é você no centro do palco.
Quando a ribalta acende, todos as variantes desaparecem, mesmo porque as luzes dos refletores em cima do ator, além de transformá-lo em personagem, impedem-no de enxergar o que está fora do palco. Nem distingue o entorno e muito menos é ele sozinho (perde-se a condição única de carne e osso e passa a ser carne, osso e “persona”). Todas as possibilidades se renovam a cada apresentação. Tudo pode acontecer diferente do que houve na véspera. E com quem conta o artista, ali, na “hora H”? Com ninguém a não ser ele mesmo e as circunstâncias que o instante produz.
Tais são as razões que me fazem explicitar a tensão que brota do enredo da vida. E por mais que a expectativa seja a de que, no final da encenação, haja aplausos, o suor frio escorre escondido pela maquiagem e a espinha gela a alma.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pedido


Ingressos comprados, casa cheia. Apreensão natural dos instantes iniciais. Os três toques anunciam que é chegada a hora. Aberta a cortina, não havia retrocessos. Ausência de som em toda a plateia. No centro do palco, um foco que se ampliava e o feixe de luz ia consumindo o breu lentamente até que se surge por completo a personagem.
Tinha início a peça.
O vazio do entorno dava ares ainda mais abissais ao espaço, ocupado somente por uma única peça – eu! A árdua tarefa era clara: deveria sozinho ser capaz de preencher toda a área.
A voz tronante (em off) faz a leitura dos autos da peça e assim o enredo se esclarece. Tratava-se da minha vida. O movimento do corpo, como quem busca encontrar cada peça do grande quebra-cabeças, tateava cada centímetro do chão ainda escuro. Levava no corpo uma peça leve de algodão pouco talhada, mas não mortalha que ganhava peso na medida em que me deslocava. A primeira fala abria o tempo da discussão: “Que ninguém me peça explicação! Nem eu a possuo, pois então!”

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Vivendo

O que busco de mim não são as respostas acabadas de quem sou. Porque caso assim quisesse encontrar, provavelmente, meus pés não me estariam pisando o caminho certo. Daria crédito a que sou um ente delimitado e pétreo. Não me concederia a chance da constante reformulação do que penso, sinto ou faço. Estaria fadado ao engessamento de tudo que trilhei e não abriria os olhos ao despertar a cada dia com o compromisso de reinventar-me. Não! Não esperem de mim o vasculhamento de minhas histórias com o simples propósito de sabê-las. Já as conheço e reconheço – e sei que nem de tudo me apercebi. O que me intensifica é a tarefa de por por terra as questões já formuladas. O que me sustenta é a crença que o imutável só pode existir no indizível, pois no plano das ações tudo – absolutamente tudo – pode ser outro, pode se transformar, crescer, evoluir e até mesmo ruir. Das coisas do mundo o que não se mantêm é para ser experienciado. E como não há entre o céu da existência e a terra das vivências nada que se eternize, o que me cabe é viver!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tragados


Os afobados do tempo começam a se movimentar quando se dão conta que termina mais uma fase. Eis que se aproxima a angústia dos anúncios de TV para nos lembrar que o fim do ano está chegando. Mas fim de que? E aqueles que se debatem entre as promessas não cumpridas e o desespero de terem que renovar os votos para o que acham ser um tal futuro tão próximo? Pobre deles. Mal conseguem passar pelos portais que eles mesmos geraram. Apressados, querem logo levantar os pés do lado vivido e plantá-los (bem plantados os dois) no vindouro momento. Uma espécie de remissão do pecado de não ter realizado aquilo que se propuseram a fazer. Mas quem deles cobra? Quem os sacrifica ou os sentencia mais do que suas próprias consciências? Ó doloridos homens acorrentados!
O movimento intermitente de lâmpadas hipnoticamente colocadas para distrair e a claridade dos neons os embota de tal forma que chegam a pensar que estão resgatando a última chande de viver.
O único clima de abafamento não é atmosférico. Reside, sim, na ansiedade posta no ar pelo corre-corre das compras, das dívidas, das dietas desregradas e do frisson que consumimos sem pestanejar.
Por onde andará nossa capacidade de respirar com a normalidade das horas? Em que local encontraremos a caminhada dos ponteiros segundo os critérios rítmicos estabelecidos pelo pêndulo temporal? Pergunto-me: tudo isto para que chegada? Angústia de quem busca, medo de quem encontra. Não posso deter a marcha, mas posso observar ao meu redor e ratificar a minha tese de que o que nos engolfa não é o tempo. Somos tragados, como carne mal mastigada, pela garganta da nossa cegueira diante do inevitável curso das areias que se esvaem inexoravelmente.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ampulheta




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