Certamente não é só a Camões a quem devo agradecer. Tudo bem que
o gajo levou para além-mar a fama da codificação da língua. Mas o
encanto de poder hoje explanar o que vai em minh'alma ultrapassa a
façanha do vate patrício. Resvala, sei lá onde, na fronteira de
uma dissenção do velho tronco linguístico, perdido na história da
minha memória, que me permite entender com clareza a diferença
entre "ser" e "estar".
Pobres das ramificações daquela imemorial árvore que não
conseguiram isto e enfiam no mesmo saco de gatos os dois verbos de
ligação (ou de cópula, ops!!!!!!!).
Mas para mim, lusofalante de berço e metido a entendido na
profissão, brota-me o alívio de discriminar um do outro. E antes
que me torpedeiem crendo achar que aqui vão linhas de uma aula do
vernáculo, vou, antecipando-me às apedrejadas, dizer o que me leva a divagar sobre este par de palavras:
Há os que querem porque querem estar felizes. E as condições que
exigem da felicidade são as temerárias temporalidade e
circunstâncias. Como tal, falíveis e findáveis vez por outra ou
tantas vezes até. E alegram-se em momentos tão escorregadios que
chegam a acreditar que a tal felicidade existe e não cabem em si de
contentamento. Porém, como um rio que seca pelo calor das
intempéries, vão do estado efusivo à desilusão solene. Estar
feliz acaba por se tornar um peso. Tomo-lhe emprestado, amigo poeta –
já acima citado seu nome – o vocábulo que me ajudará a compor o
contraste: Falamos, então, dos que vão do “fado ao fardo” num
piscar d'olhos! Ó dó!
A vida não é povoada exclusivamente dessa categoria. Existem –
ainda bem – aqueles que são felizes não porque o entorno colabora
(nem há mal nisso, se colaborar melhor...), mas sabemos nós que nem
sempre colabora. São os que não depositam a culpa da existência
nos ombros alheios e nem petrificam os instantes intensos como única
condição de desfrutar da felicidade. É tarefa sua e de mais
ninguém.
Não estou a dizer que é fácil escolher entre ser ou estar feliz. O
que aconselho é que reflitamos sobre o que melhor nos convém ou o
que mais serenidade nos traga. De minha parte o esforço é pelo
estado mais permanente em detrimento da transitoriedade. Agora,
ancorando mais nas estruturas dos falantes das bandas de cá do
Atlântico, “cada macaco no seu galho.”